A CNE e um país que não se senta para legislar

Como em tudo, o bom senso é central na vida de todos os dias. Falta à CNE, faltou a muitos comentadores e falta, especialmente, a Assunção Cristas e Rui Rio esse senso.

Quando, em 2015, se aproximavam do termo os trabalhos de construção da lei que iria resolver o problema significativo da gestão editorial dos debates e dos tempos de reportagem, por parte dos órgãos de comunicação social, em tempo eleitoral, alertámos para a iníqua redação relativa a propaganda e à publicidade que, não tardaria, levaria a guerras públicas sobre até onde vai a dimensão de “publicidade comercial e institucional” nos tempos que vivemos.

Se quanto aos debates e aos períodos de informação se fez uma separação clara entre os partidos com representação parlamentar e os outros, exigência das direções de informação de há muito e que fazia sentido, já quanto ao que o legislador terá considerado “publicidade comercial e institucional” a porta abriu-se e está aí, por estes dias, a permitir interpretações abusivas e posições políticas sem sentido.

O artigo 10.º da lei, quando se refere a “propaganda através de meios de publicidade comercial”, é bem claro no que a esta designação diz respeito. Assim, a partir da publicação do decreto que marca a data de umas eleições ou de um referendo é proibida a propaganda política feita direta ou indiretamente através de meios de publicidade comercial.

O legislador criou, logo de seguida, as exceções. Assim, os anúncios publicitários sobre ações partidárias, em meios de publicidade comercial, em estação de radiodifusão ou através da internet, não estão abrangidos pela proibição.

Misturando, sem razão, as naturezas partidária e institucional, o legislador proíbe, entre a convocatória das eleições e as mesmas, a publicidade institucional por parte dos órgãos do Estado e da Administração Pública de atos, programas, obras ou serviços, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública.

É aqui que muitos comentadores e os dois líderes partidários sentados à direita do PS vão buscar uma interpretação abusiva, tosca, até inculta, da norma que acima se indicou.

Quando o primeiro-ministro faz visitas para conhecer obras ou investimentos decorrentes da ação do seu Governo, quando o mesmo ou um dos seus ministros inaugura uma obra, o que estão fazendo é mesmo o resultado da ação política, do princípio de dar conta pública da ação governativa.

Há quem ache que os membros do Governo e as suas visitas e inaugurações, por serem tema de reportagem ou de notícia em serviço informativo a que os órgãos de comunicação social se obrigam, estão a promover publicidade institucional e, portanto, a incorrer no incumprimento do n.º 4 do artigo 10.º da lei que vimos referindo.

Pergunta-se então o que é “publicidade institucional”, e a resposta não tarda, seguindo os mais relevantes gurus dessa mesma publicidade: publicidade institucional, ou endomarketing como muitas vezes se identifica, é todo o ato de difusão ou de divulgação paga que não tem como objetivo a promoção de produtos e a rentabilidade das empresas, mas que visa a divulgação de mensagem cívica.

Estaria o primeiro-ministro, no caso das inaugurações dos Centros de Saúde, a usar publicidade institucional? A resposta é negativa. Em nenhuma circunstância se pode dizer que o Governo contratou agência, suporte ou veículo para tal objetivo e a divulgação consagrada pelos serviços noticiosos mais não encaixa no dever de informar.

Mas há uma outra questão que parece estar escondida. A da aplicação da lei de acordo com a natureza dos atos eleitorais.

Resulta lógico que em tempo de eleições autárquicas haja um conjunto de limitações à atividade dos eleitos em funções. O mesmo acontece com as eleições regionais ou as eleições nacionais, cada uma no seu território. Mas faz sentido que uma eleição regional implique na ação normal do Governo nacional? E que as eleições europeias impliquem no funcionamento normal das autarquias, dos órgãos regionais e do Governo da República. E que o Presidente da República esteja impedido de inaugurar, visitar e mobilizar o país a partir do momento em que esteja convocado um qualquer ato eleitoral?

Como absurdo, imaginemos dois anos em que se verifiquem eleições autárquicas, regionais, europeias, legislativas nacionais e presidenciais – estariam todos os agentes políticos impedidos de sair dos seus gabinetes durante esses mesmos dois anos, de dizerem o que andam a fazer, de prestarem contas e de responderem ao que os portugueses deles exigem?

Como em tudo, o bom senso é central na vida de todos os dias. Falta à CNE, faltou a muitos comentadores e falta, especialmente, a Assunção Cristas e Rui Rio esse senso.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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