Alejandro Chávarro, de Paris a Lisboa, ele traz vinhos e amigos

O escanção de origem colombiana passou por alguns dos melhores restaurantes do mundo e instalou-se em Lisboa, onde faz provas e workshops.

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Alejandro Chávarro Miguel Manso
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Alejandro Chávarro Miguel Manso

Na Colômbia não se comem marmelos. Alejandro Chávarro nasceu na Colômbia, em 1987. Como é que poderia perceber o que queriam dizer quando lhe falavam de notas de marmelo maduro num vinho?

De Bogotá para Paris, a viagem de Alejandro foi também uma viagem em direcção ao mundo do vinho. “Ia para o mercado e pensava ‘tenho que provar, tenho que provar’, tinha que refazer a biblioteca”, explica, apontando para a cabeça. É aí que este sommelier, hoje a viver em Lisboa, guarda a imensa informação que tem sobre vinhos de todo o mundo.

E porque acredita que é importante partilhar o que sabe, vai organizar, nos dias 24 e 25 de Março, uma prova muito especial integrada nas celebrações dos dez anos do restaurante Feitoria (uma estrela Michelin) do Hotel Altis Belém, em Lisboa. “Quero uma prova que seja um momento de partilha diferente”, diz. “A maioria das pessoas do meio [do vinho] não tem a possibilidade de viajar para muitas regiões, de conhecer produtores.” Por isso, traz até Lisboa um grupo de produtores sobretudo franceses, mas também de outros países, para apresentarem os seus vinhos e conhecerem o que estão a fazer os seus colegas portugueses (ver caixa).

“Não faço vinho, não sou enólogo nem consultor”, sublinha. Define-se, sim, como “provador consciente”, alguém que “faz perguntas”. Ter nascido num país sem tradição vitícola acabou por ser uma ajuda. “Muita gente interrogava-se ‘um sommelier colombiano a trabalhar em Paris?’. Mas eu alugava um carro e ia pelo país para conhecer produtores.” Numa cidade onde os sommeliers estão habituados a que tudo lhes chegue facilmente, entrando-lhes pelos restaurantes dentro, Alejandro tinha a curiosidade de quem estava a descobrir. E por isso viajava, provava, perguntava.

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Os cartões de visita Miguel Manso

Foi assim que acabou por se tornar escanção e responsável pela cave de vinhos de um dos melhores restaurantes parisienses, o Astrance, com três estrelas Michelin. Antes disso, representou a Colômbia no Campeonato do Mundo de Maître d’Hotel, que venceu, apesar de na altura ter apenas 22 anos. Mas foi em Espanha, no Mugaritz, que percebeu que o trabalho de sala de um restaurante podia ser muito mais fascinante do que se imagina.

Começou na sala, mas aproveitava para estar também algumas manhãs por semana na cozinha e, gradualmente, foi entrando nesse mundo de criatividade do chef Andoni Aduriz, no qual a criação de uma experiência gastronómica envolve neurologistas, psicólogos, artistas plásticos, gente de todas as áreas que possam ajudar a perceber como se trabalha a percepção sensorial.

Hoje usa muito desse conhecimento para dar a conhecer os vinhos – desde que casou com a locutora de rádio portuguesa Bárbara Guevara e que, no ano passado, se mudou para Lisboa, abriu uma empresa de importação, a Vinhos Livres, e começou a organizar workshops e masterclasses para profissionais ou simples amantes do vinho. “Tenho trabalhado desde o início a sensibilidade e a consciência”, afirma.

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O saca-rolhas de Alejandro Chávarro Miguel Manso

Ao trazer a Portugal viticultores de outros países quer alargar a conversa. “Há aqui dúvidas gigantes em relação à viticultura, fala-se do enólogo, do proprietário, mas poucos falam do trabalho dos solos, da poda, da terra.” Alejandro tem vindo a aprender muito sobre isso, sobretudo pelo interesse que desenvolveu pelos vinhos naturais e biodinâmicos, formas de trabalhar que fazem todo o sentido para alguém que vem de um país “onde se tem um respeito pela natureza diferente do que se tem em França”.

“Em Portugal, fui conhecer as pessoas que fazem este tipo de trabalho e têm esta consciência. São menos [do que em França ou noutros países] e vi rapidamente que eram um bocadinho outsiders.” Não tem dúvidas, no entanto, de que estão no caminho certo. “Se não trabalhas a terra e a planta, não tens resultados.”

Também na criação das cartas de vinhos há trabalho a fazer em Portugal, acredita Alejandro. “A diversidade não é muito extensa e a forma de comprar e de seleccionar é bastante redutora”, constata. Por um lado, há poucos vinhos não portugueses, e por outro, em cada uma das regiões há produtores que dominam – “são os que têm estrutura para desenvolver o mercado, enquanto os mais pequenos, que não têm meios, estão longe”.

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A garrafa escolhida pelo sommelier para contar uma história do mundo do vinho Miguel Manso

Mas, repete, não há fórmulas. “Não há uma forma de ser sommelier, tal como não há uma forma de ser cozinheiro.” Cada um tem que encontrar o seu estilo. “Quando escolhes vinhos tens que ter um critério que é a tradução da tua identidade, que é pessoal, se não, é o da massa, toda a gente faz o mesmo trabalho, não há uma singularidade, encontra-se o mesmo vinho em todos os sítios.”

Ele foi desenvolvendo o seu estilo próprio, feito das histórias que foi vivendo. Os três objectos com um significado especial que lhe pedimos para trazer para esta entrevista contam algumas dessas histórias. O saca-rolhas que tira do bolso foi uma oferta da equipa do Astrance quando ele partiu, é de madeira de zimbro e tem as iniciais de Alejandro.

A garrafa de vinho que traz consigo (e que vamos bebendo ao longo da nossa conversa) é um Château de Béru, de Chablis, um vinho biodinâmico feito por uma mulher, Athénaïs, que acreditou nesta forma de trabalhar muito antes de outros, e foi olhada com desconfiança por causa disso. Depois de um (des)encontro inicial, Alejandro e Athénaïs tornaram-se bons amigos e quando, em 2016, ela perdeu praticamente tudo, ele levou a equipa do Astrance para a ajudar na vindima.

O terceiro objecto são os seus cartões-de-visita, quatro, com imagens diferentes. “Ter só um cartão de apresentação pode ser redutor. Escolhi quatro imagens para falar de quatro momentos: da viticultura, da generosidade, da técnica na adega e do espírito da pessoa por trás de tudo isto, que às vezes pode ser muito solitária.” Dá-nos a escolher entre os quatro. A escolha que fazemos, como em tudo na vida, também lhe vai dizer muito sobre nós.

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