Islândia, o ofuscante poema da natureza

A leitora Helena Rosa partilha a sua viagem ao centro da Terra.

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A Islândia surge aos olhares de cientistas ou turistas apaixonados por natureza como um país de fenómenos e paisagens-postais. Faz-nos acreditar que avistamos o planeta Terra de longe, sendo comuns os imprevisíveis géisers, os duplos arco-íris, as cascatas paralelas ou os glaciares tingidos de azul e branco. Tudo isto num pedaço de terra vulcânica, habitado por pouco mais de 350 mil pessoas em várias cidades-fantasma.

A vizinha mais próxima chama-se Gronelândia e situa-se a uns extensos 280km, com 56 mil criaturas. Sabendo que a população islandesa é menor que a de Sintra ou que por cada km2 encontramos três pessoas, é fácil concluir o quão despovoado é este país. Existe até uma aplicação que lança alertas para evitar casos de incesto entre os apaixonados islandeses. E são eles, os próprios habitantes, os primeiros a troçar da sociedade em que vivem, como refere Alda Sigmundsdóttir no Livro dos Islandeses.

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Éramos seis e preenchemos uma semana no início do Outono a conhecer a parte sul da ilha, driblando os limites dos depósitos dos carros para chegar às limitadas bombas de gasolina. Sempre com enlatados e iogurtes skyr nos carros, não fosse o café custar quatro euros ou o prato típico ser tubarão podre.

Íamos por tudo o que até então nos tinham comentado sobre o país, mas sobretudo pela aurora boreal, esse evento mágico que ilumina os céus dos países nórdicos de cores verdes ou roxas. Com as cabeças a tocar as costas e as máquinas fotográficas preparadas para dar mais cor ao brilho esverdeado, chegou-nos no nosso segundo dia na Islândia. Primeiro tímida e pouco convincente, para aos poucos, por entre interjeições de espanto e lágrimas de deslumbramento, se espalhar em várias direcções nos céus de Klaustur, anunciando-nos que a força da natureza é, ainda, impressionante. 

Visitar um país como a Islândia deve ser similar a participar numa expedição de exploração a um lugar longínquo. Ali, o ar corre livremente e o sol inunda o solo imundo de musgo, sem tropeçar em vigas de betão ou postes de electricidade. Cada quilómetro é dominado por uma interminável descoberta sobre a essência de tudo. Lemos os nomes nas placas e memorizamos: foss significa cascata e fell simboliza montanha. Numa dessas placas inocentes desvenda-se o nome de Axlar-Björn, o serial killer do século XVI, que matou pelo menos 18 pessoas. Repito, século XVI. Hoje em dia a Islândia é um dos países mais seguros do mundo, onde os passaportes, dinheiro ou máquinas fotográficas ficam à espreita dentro dos carros, enquanto se percorrem 55 minutos num festival de uivos de vento até avistar um avião encalhado numa praia deserta. 

 Mas este país não é apenas feito de monumentos unidos à terra. O extraordinário das cores dos cenários é frequentemente acompanhado por conjuntos de cavalos que parecem póneis e rebanhos de ovelhas que raramente são tosquiadas. No mar de praias de areia negra, as focas deleitam-se nas rochas ao final da tarde, vasculhando as próximas refeições. E no céu, os muitos corvos desenham mensagens encriptadas para quem as conseguir decifrar.

Para quem? Para os turistas, que chegam a representar cinco vezes mais que os habitantes? Para a NASA, que tem usado o solo para a preparação da viagem a Marte? Ou para os residentes, que são considerados dos povos mais felizes do mundo?

Todos eles desejariam por certo compreender os enigmas desta que é uma verdadeira e imemorial viagem ao centro da Terra.  

Helena Rosa

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