Na corrida aos nossos pulsos, a Garmin aposta no Marq

A nova linha de smartwatches da Garmin chama-se Marq e vem fazer frente à relojoaria tradicional, com um misto de tecnologia e design inovadores.

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Imagem cedida pela Garmin

A primeira volta é feita a medo. Na segunda já dá para acelerar nas rectas e fazer os obstáculos a uma velocidade mais excitante. A cada volta que se dá à pista de carros, a coragem aumenta e a vontade de parar diminui. De repente, torna-se mais evidente o fascínio pela actividade: já se passava ali um dia a melhorar os tempos de corrida. Mas o que nos leva a uma pista nos arredores de Barcelona é a missão temporária de experimentar o Marq Driver, um dos mais recentes lançamentos da Garmin.

A nova gama de smartwatches premium que a marca norte-americana lançou tem nome próprio (Marq) e cinco personalidades: atleta, capitão, explorador, aviador e racer. Estes relógios foram construídos à imagem das principais actividades nas quais a empresa do Kansas que já fez 30 anos está presente, “para pessoas que querem deixar a sua marca”.

Os smartwatches distinguem-se pela qualidade dos materiais, como cristal e titânio, mas também pelo design e inovações tecnológicas. Entres as mais notáveis, a capacidade de o relógio iniciar sozinho a contagem dos tempos de uma corrida de carro, dentro dos mais de 250 percursos pré-carregados. Como? Se usarmos uma dessas pistas, assim que entrarmos no carro e passarmos a “partida”, o relógio começa automaticamente a contar o tempo e a velocidade a que seguirmos. 

Para a marca, trata-se de um exercício de forma e função. “Foi provavelmente a primeira vez que decidimos que não faríamos qualquer compromisso a nível de design”, comenta Brad Trenkle, vice-presidente do departamento de Outdoor da Garmin.

Modelo Driver, para corridas de carros
Modelo Expedition, para montanhistas e aventureiros
Modelo Aviator, para os que gostam de voar
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Modelo Driver, para corridas de carros

Cada modelo apresenta capacidades técnicas relativas à actividade em questão. De resto, têm as funções típicas de um smartwatch: GPS, notificações, monitorização da actividade diária, frequência cardíaca, armazenamento de música, Garmin Pay e outras aplicações. O mostrador pode ser lido à luz do sol. Quanto à bateria dura até 12 dias (em modo smartwatch) e até 28 horas (modo GPS). E, finalmente, os preços vão dos 1500 aos 2500 euros.

Ferramentas tecnológicas

Há uma dicotomia na apresentação dos relógios. Por um lado são ferramentas potentes de tecnologia, por outro, além de terem uma estética semelhante à da relojoaria suíça, a própria escolha de palavras dos vários representantes da Garmin — “heritage”, “precisão”, “materiais artesanais” e “cafted instruments”, por exemplo — remete para as mensagens que estas marcas mais clássicas habitualmente utilizam.

Durante a apresentação, na cidade catalã, estiveram presentes uma série de atletas. René Metge, três vezes campeão do Paris Dakar, acompanhou o grupo de jornalistas que marcou presença na pista de automobilismo e lembrou os tempos pré-GPS, em que as corridas no deserto se faziam com recurso a ferramentas rudimentares e havia um risco real de as pessoas se perderem. Responde com um pronto “não”, antes mesmo de acabarmos de perguntar se se sente nostálgico dessa altura. “Evoluí com os tempos. À medida que a tecnologia evoluiu, também a corrida evoluiu. Ajuda a ser criativo de uma forma diferente, a ganhar corridas”, explica.

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René Metge a celebrar, depois da vitória do Paris-Dakar, em 1984 Thierry RANNOU/Gamma-Rapho via Getty Images

A Garmin pode não ter espaço em Basileia – na Baselworld, a feira anual que reúne na cidade suíça a alta relojoaria mundial –, ou um século de história para contar. Mas tem um historial de inovações tecnológicas que a ligam a diferentes áreas desportivas e a tudo aquilo que gira à volta das mesmas — chamemos-lhes lifestyle. São semelhantes àqueles que marcas mais tradicionais de relojoaria construíram ao longo dos anos, com o investimento de milhões de euros em embaixadores e no patrocínio de eventos desportivos. “Estes relógios [tradicionais] no seu tempo foram smartwatches, atira um dos representantes da marca, no jantar de apresentação.

Trenkle não foge à comparação. “A Garmin é uma pioneira. E tantas daquelas marcas de relógios, se virmos de onde vêm, todas foram pioneiras de alguma forma — seja a Omega a ir à lua, ou a Breitling e a sua história na aviação. Temos autenticidade e temos heritage nestas indústrias: ajudámos a reimaginar o voo moderno, remapear os oceanos. A indústria da relojoaria tem uma longa história nestas áreas. E a tecnologia da Garmin, nos últimos 30 anos, também teve um papel importante em cada uma destas buscas”, continua o vice-presidente.

Todd Register, responsável de design industrial, afirma que em termos de design a colecção Marq está mais relacionada “com os relógios tradicionais”. “Foi o objectivo: queríamos criar algo que à primeira vista fosso só um relógio lindo. E depois [as pessoas] percebessem ‘há mais nisto’”.

Traça uma comparação à evolução dos carros híbridos: “lembram-se quando se dizia ‘isto tem de parecer completamente diferente’ e [os carros] eram feios, ninguém gostava deles? Agora os carros eléctricos são o mesmo que os carros normais, excepto que olhamos para um Tesla e tem diferenças subtis. É o mesmo tipo de ideia que queríamos usar aqui.”

Só pela apresentação exterior é que os modelos Marq se assemelham a um relógio de quartzo ou mecânico. A marca apresenta-os como smartwatches de alta gama, para as pessoas que querem “fazer uma declaração em relação à sua paixão”. E é com estes instrumentos querem seguir à conquista de pulsos, inclusive dentro do grupo de entusiastas de relojoaria tradicional. Trenkle fala de um “novo mercado incremental” e admite: “Temos trabalhado nesse sentido”.

“Misturando um design impactante e transformando smartwatches em timepieces conseguimos ir atrás deste novo mercado, de entusiastas de relógios”, comenta. O ponto de partida neste segmento foi o Phoenix Chronos, lançado em 2017. Foi “provavelmente o único produto que tivemos que nos deu confiança para dar este novo passo”. Contudo, este outro modelo era mais focado “na aventura”, faltando-lhe a “estética para apelar a pessoas interessadas em relógios para profissionais”.

Num aspecto menos óbvio o Marq distancia-se daquilo a que os clientes de relojoaria tradicional estão habituados: trata-se de uma peça bastante leve. “Algo pesado dá a sensação de qualidade”, admite Todd Register. “Mas temos de nos focar na pessoa para quem estamos a desenhar isto. Tem a ver com performance — materiais leves e confortáveis para a actividade”, explica. “Há pessoas que dizem ‘isto é incrível, é tão leve’ e há pessoas que dizem ‘ah, gostava que fosse um bocadinho mais pesado’. Há diferentes formas de olhar para isto, mas se o fizéssemos mais pesado, então não seria tão útil nas aplicações profissionais”, argumenta.

Um mercado para todos

O avanço dos smartwatches no mercado, ao longo dos últimos anos, tem gerado um misto de reacções diversificadas entre as marcas de relojoaria: há aquelas que acreditam que os dois segmentos não se tocam; há também as que continuam a defender a proposta de valor da relojoaria mecânica, mas estão cientes que têm uma nova geração para convencer e há as que enveredam pelo caminho dos relógios híbridos.

Quem é, então, o maior concorrente da Garmin: Apple ou Rolex? Trenkle chuta para canto: “Acho que o que fez a Garmin ter sucesso durante 30 anos é que temos a tendência de não estar obcecados com a concorrência. Preferimos estar obcecados com os nossos clientes e em fazê-los felizes.”

Pode parecer uma resposta vazia, mas na realidade aponta para uma questão levantada por Patrick Pruniaux, CEO na Ulysse Nardin and Girard-Perregaux (que antes deixou a Tag Heuer para se juntar à equipa que lançou o Apple Watch). “Vejo alguns relógios [mecânicos] e pergunto-me se o cliente foi uma consideração a posteriori. Para a Apple, o produto é só a ponta do iceberg. Eles oferecem uma experiência de cliente completa. Se algo se estragar com o meu relógio mecânico de 100 mil libras pode demorar meses a reparar”, comenta, citado pela BBC.

Ao mesmo tempo, afirma que “não há emoção com um smartwatch” e que não este não retém o valor de forma intemporal como um relógio mecânico. Muito pelo contrário, os smartwatches tipicamente têm um ciclo de vida curto. E mesmo que não se estraguem estão sujeitos a tornarem-se obsoletos.

Segundo um representante da Garmin, a bateria do relógio deve durar cerca de sete anos, podendo ser substituída. “A tecnologia vai continuar a evoluir, mas, absolutamente, acho que este relógio ainda terá valor em dez anos. E em dez anos ainda poderão ver os dados biométricos.” O facto de a Garmin ter um software próprio, em vez de Android, ajuda. No caso de “outros relógios, em dois ou três anos, as aplicações mudaram todas”, afirma o mesmo representante. “Com certeza que haverá novos produtos e melhoramentos, mas acho que a um nível básico ainda será útil”, continua.

Ainda que seja este o caso, é difícil competir, em termos de oferta de valor, com relógios que duram mais do que uma vida inteira. Toda a comunicação da relojoaria tradicional mecânica está, frequentemente, predicada na ideia de uma peça poder passar de geração em geração e de manter o seu valor como investimento.

Contudo, as marcas tradicionais de relojoaria têm de saber falar para os públicos mais novos: “Têm de educar a próxima geração acerca da história e das coisas com as quais querem que esta se apaixone”, resume John Biggs, editor da WristWatchReview, no Tech Crunch. Para Jean-Claude Biver, CEO da TAG Heuer (considerado um guru da indústria relojoeira), “um dos maiores desafios que a indústria enfrenta agora é fazer com que uma nova geração compre relógios tradicionais”.

A ameaça dos smartwatches poderá ser maior para os relógios num segmento médio, que têm um posicionamento semelhante. Segundo um relatório da Fédération de l'industrie Horlogère Suisse, em 2018 os relógios abaixo dos 500 francos suíços (439,6 euros) caíram, particularmente em número de exportação (menos 5%), enquanto aqueles posicionados acima dos 500 francos suíços registaram um crescimento de 7,5% em valor e 8,1% em volume.

A Garmin não põe totalmente de parte a ideia de lançar um relógio mecânico, mas essa não é para já uma meta. Até porque isso pressupõe ultrapassar ainda uma série de desafios de execução, sobretudo ao nível do tipo de mostrador e da dimensão da caixa.

“Acho que veremos — e começámos a ver mesmo no mercado das pulseiras de actividade — as pessoas a reconhecerem valor em recolher dados sobre si próprias. Isso requer um certo nível de componentes electrónicos que um relógio puramente mecânico não consegue fazer”, comenta Brad Trenkle. Assim, a Garmin que “dar-lhes uma opção com a qual ainda consigam contactar com o seu ethos”, ou seja, apelar ao gosto dos fãs da relojoaria tradicional. Trenkle assegura ainda: “Há espaço neste mercado para todos”.

O PÚBLICO viajou a convite da Garmin

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