O currículo dos sexos em Educação Física

Basta abrir um qualquer manual escolar onde se verse sobre as diferenças entre homem e mulher para, de imediato, encontrar um chorrilho de asneiras, asneiras essas responsáveis por encaixar homens e mulheres, raparigas e rapazes, meninos e meninas, em modelos de comportamento discriminatórios, para não dizer caducos, desajustados e insultuosos.

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Nuno Ferreira Monteiro

O currículo dos sexos em Educação Física é o tema de uma investigação de mestrado para as universidades do Porto e de São Paulo, publicada no Verão de 2018 e disponível no Google para quem quiser saber mais.

Nesta pesquisa, os autores debruçaram-se sobre a Educação Física e os papéis de género, citando frases de alunos de uma escola do ensino básico e sublinhando as ideias que os alunos têm do papel das raparigas e dos rapazes no desporto: “Eles jogam melhor!”, “Os rapazes têm muita força para chutar!”, “As raparigas ficam a brincar nas aulas de Educação Física!”.

Por aqui se começa a perceber como o que se diz influencia o comportamento de um género, moldando expectativas sociais desde tenra idade em relação ao papel de raparigas e rapazes e, futuramente, de homens e mulheres. Quem sai destes papéis é rapidamente ridicularizado, seja porque a rapariga quer jogar à bola e é Maria-rapaz, seja porque o rapaz quer dançar e é chamado de tudo.

Assim sendo, é essencial que a escola não veicule modelos de comportamento em função do género mas sim de cada aluno, individualizando o ensino sem olhar a diferenças biológicas.

Aliás, basta abrir um qualquer manual escolar onde se verse sobre as diferenças entre homem e mulher para, de imediato, encontrar um chorrilho de asneiras, asneiras essas responsáveis por encaixar homens e mulheres, raparigas e rapazes, meninos e meninas, em modelos de comportamento discriminatórios, para não dizer caducos, desajustados e insultuosos. Assim, os homens são em geral mais musculosos do que as mulheres, com um metabolismo mais rápido alimentado a testosterona, enquanto as mulheres tendem a transformar os alimentos em gordura para sustentar a gravidez. 

Ou seja, e dependendo dos manuais escolares e das escolas que os veiculam, os homens têm a função de combater e as mulheres de conceber. A mulher trata da família, o homem providencia o sustento, de pouco interessando se estamos no século XXI ou XXXI quando a conversa é sempre a mesma de há 5000 anos para cá. Ou mais.

Voltando à investigação de mestrado, o discurso biológico influencia o comportamento do género, concluindo-se no fim ainda haver muito por fazer num mundo onde as poucas excepções continuam a confirmar a regra.

Mude-se o discurso, por favor. Não é pedir muito. Para quando a igualdade salarial para ambos os géneros em todas as modalidades, a começar pelo futebol? Para quando a não resignação das raparigas quando é a própria professora — professora, sim, no feminino — a dar a dois rapazes a escolha das equipas de futebol, equipas essas onde as raparigas ficarão sempre para último? Para quando o ensino para a cidadania logo desde o infantário, mas também para adultos? 

Para quando o desporto misto e a obrigatoriedade da igualdade de géneros? Para quando o fim da segregação de género no desporto — nas equipas de futebol, andebol, râguebi, só para citar alguns exemplos —, com metade dos elementos de um género, a outra metade de outro e, no fim, que vença o melhor?

Convençamo-nos: enquanto se impedir às mulheres o acesso às equipas masculinas, os homens continuarão convencidos da sua superioridade física, muscular, atlética. Por não terem nenhuma mulher que lhes faça frente.
Terão medo? Terão miúfa? Saberão, no seu âmago, ser essa a verdade, assim explicando o seu silêncio, a sua reticência?

Para quando uma mulher presidente de um clube de futebol? Para quando uma mulher à frente do Benfica? 
Tudo é uma construção social, por isso a importância do desporto. Fica aqui o pedido, não, o desejo, não, a vontade de viver num mundo onde as mulheres correm a par e par com os homens, nos Jogos Olímpicos mas também naquela futebolada na praia. Porque somos todos iguais.

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