WWF acusada de financiar patrulhas que matam e torturam habitantes locais

Organização não-governamental anunciou que vai abrir uma investigação independente, liderada por especialistas em direitos humanos, para averiguar os casos denunciados pelo jornal BuzzFeed.

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Activistas da World Wild Fund for Nature (WWF) no México Jorge Silva/REUTERS

A World Wild Fund for Nature (WWF), uma das principais organizações não-governamentais de conservação da natureza, é acusada de financiar grupos paramilitares que torturam e matam habitantes locais, em países africanos e asiáticos, em nome da protecção da vida selvagem. Agora, a WWF garante que vai abrir uma investigação independente para analisar as acusações.

A notícia foi avançada, nesta segunda-feira, pelo jornal digital norte-americano BuzzFeed que, depois de levar a cabo uma investigação em parceria com o jornal nepalês The Kathmandu Post, acusa a World Wide Fund for Nature de apoiar forças paramilitares que alegadamente matam e torturam pessoas para combater a caça furtiva, e de encobrir os alegados crimes.

São vários os casos e as pessoas ouvidas pelo BuzzFeed que acusam a ONG de estar em envolvida em crimes de assassinato e abuso de poder. Um dos quais é revelado por Hira Chaudhary, mulher do agricultor Shikharam Chaudhary ​que terá sido detido e torturado, em 2006, por guardas florestais numa prisão junto ao parque nacional de Chitwan, no Nepal, acabando por morrer. “Eles espancaram-no impiedosamente e puseram-lhe água salgada no nariz e na boca”, contou Hira Chaudhary à polícia, segundo o BuzzFeed.

Os guardas acreditariam que Shikharam tinha ajudado o filho a esconder um chifre de rinoceronte no quintal da sua casa e, apesar de não terem encontrado provas, prenderam o agricultor que, nove dias depois, morreu. A autópsia revelou sete costelas partidas e hematomas em todo o corpo, com sete testemunhas a confirmarem que o nepalês tinha sido torturado até à morte.

À data, três funcionários do parque nacional de Chitwan foram detidos e acusados de homicídio. Mas avança o BuzzFeed que a WWF no Nepal, que há muito ajuda a financiar a equipa de guardas florestais e soldados que patrulham aquela área, rapidamente entrou em acção e fez lobbying para que os guardas não fossem a julgamento. O caso foi encerrado meses mais tarde, com a ONG a considerar que esta tinha sido uma vitória na luta contra a caça furtiva, chegando mesmo a contratar um dos suspeitos.

Mas este não terá sido caso único, avança o BuzzFeed, que o considera “parte de um padrão que persiste até aos dias de hoje”, com a WWF a ser acusada de financiar e de fornecer material (incluindo equipamentos de alta tecnologia e armas), formação e salários a grupos militares na África e Ásia suspeitos de torturarem, espancarem, agredirem sexualmente e assassinarem várias pessoas de comunidades indígenas.

Em 2017, avança ainda o mesmo jornal, guardas florestais de um parque fundado pela WWF em Camarões (no golfo da Guiné) terão torturado um rapaz de 11 anos à frente dos seus pais e, apesar de ter sido apresentada uma queixa à organização, a família continua sem resposta. 

Os direitos humanos e a “importância de tal escrutínio”

As queixas não se ficam por aqui. A ONG é também acusada de organizar missões contra a caça furtiva recorrendo a tropas de choque, de envolvimento em actividades ilegais (como o tráfico de armas) e espionagem e de assinar uma proposta de um director de um parque nacional (cuja localização não é referida) que aprovava a morte de qualquer pessoa que invadisse aquela área protegida.

O BuzzFeed lembra ainda que, apesar de o trabalho levado a cabo pelos guardas florestais ser, por vezes, perigoso (sendo que, em 2017, segundos dados revelados pelo mesmo jornal, quase 50 guardas foram mortos por caçadores furtivos em todo o mundo), os povos indígenas, encarados como o inimigo, estão a ser alvo de vários ataques por parte de algumas unidades mais violentas, acusando a WWF de encobrir os crimes.

A WWF afirma, por sua vez, em comunicado enviado ao BuzzFeed, que não tolera qualquer tipo de brutalidade por parte dos seus parceiros e que foi aberto um inquérito para averiguar os casos denunciados, reconhecendo a “importância de tal escrutínio”. “As violações dos direitos humanos são totalmente inaceitáveis e nunca podem ser justificáveis em nome da conservação”, diz a ONG, garantindo ainda que irá trabalhar junto das comunidades indígenas para garantir que os seus direitos não são violados.

No próprio site da WWF, um porta-voz da organização ambientalista garante que as acusações serão tidas em consideração e solicita ao BuzzFeed que partilhe todas as provas e evidências obtidas para que a organização possa levar a cabo uma investigação própria, conduzida por especialistas em direitos humanos, sobre os abusos agora divulgados.

“Temos políticas rigorosas desenhadas para garantir que tanto nós como os nossos parceiros protegem os direitos e o bem-estar dos povos indígenas e comunidades locais nas regiões onde trabalhamos. Qualquer violação dessas políticas é inaceitável e, caso a investigação revele alguma, comprometemo-nos a agir rapidamente”, explica a WWF em comunicado.

Segundo dados disponibilizados pelo BuzzFeed, a organização não-governamental fundada em Zurique em 1961, com escritórios em mais de 40 países, arrecadou em 2017 mais de 767 milhões de euros, muitos dos quais através de doações.

Este é o resultado de uma investigação realizada ao longo de um ano em seis países, que tem por base mais de 100 entrevistas e a análise de milhares de documentos (alguns dos quais confidenciais), que, nas palavras do jornal, mostra os “danos colaterais” da “guerra global secreta da WWF”.

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