Feiras de vinhos e jornalismo

"Em mais de três décadas de jornalismo é a primeira vez que escrevo a outro jornal para comentar as palavras de um colega de profissão. Confesso que me custa bastante fazê-lo mas, agora, não podia ficar calado." Por Luís Lopes, director da revista Vinho - Grandes Escolhas.

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Martin Henrik

No suplemento Fugas publicado no passado sábado 23 de Fevereiro, insurge-se o jornalista Pedro Garcias contra as galas de prémios e feiras de vinhos. Está, como é óbvio, no seu direito.

Mas tem também o direito de distorcer a verdade? Julgo que não. Abordando vinhos e produtores premiados, refere Pedro Garcias como exemplo o troféu Enólogo do Ano de Vinhos Generosos, atribuído pela Grandes Escolhas a Antonio Agrellos, qualificando esta atribuição como "no mínimo caricata" por, diz Garcias, Agrellos “se ter reformado há dois anos”. Esquece Pedro Garcias que os prémios Melhores do Ano remetem para os acontecimentos e vinhos provados no ano civil que passou, ou seja, 2018. E que, em Maio de 2018, António Agrellos estava ainda suficientemente no activo para ser ele a orientar o lançamento oficial, com prova para mais de 20 jornalistas, dos Porto Vintage de 2016 que criou na Noval e na Romaneira, apresentando-os como os seus últimos “filhos”, os vinhos que marcam a sua retirada da profissão. Foram precisamente esses Vintage que justificaram o troféu agora atribuído, como foi referido no anúncio do premiado, durante a gala, e em toda a comunicação sobre o tema. Pode Pedro Garcias, enquanto jornalista e crítico de vinhos (e, simultaneamente, produtor de vinho do Porto e do Douro…), ignorar que os Vintage de 2016 foram lançados no mercado em 2018?

Diz também Pedro Garcias que os prémios das revistas ficam “invariavelmente no mainstream”, distribuídos por “quem paga, quem investe, quem convive”. Sinto-me pessoalmente ofendido com a afirmação. Ao longo de 28 anos, enquanto director da Revista de Vinhos, ou nos quase dois anos que agora levo nas mesmas funções na Grandes Escolhas, nunca foram premiados vinhos ou produtores pelo facto de estarem ou não presentes nas feiras ou investirem ou não em páginas de publicidade.  Poderia citar aqui uma extensa lista de prémios a vinhos e produtores “não presentes”, ou “não investidores” (onde se incluem, curiosamente, alguns dos tais “alternativos” que Pedro Garcias diz nunca serem contemplados), mas não vale a pena. Os produtores premiados sabem-no melhor do que ninguém.

Numa coisa concordo com Pedro Garcias. Há feiras de vinhos a mais para a dimensão do país e do mercado. Mas a equipa que há 20 anos lançou a primeira feira de vinhos em Portugal não vai deixar de organizar um evento líder, que é referência absoluta para produtores e consumidores, e reconhecidamente útil para a promoção das marcas e do vinho português, apenas pelo facto de, entretanto, terem surgido muitas outras feiras.

Tem também Pedro Garcias razão quando diz que as publicações especializadas nesta área não sobrevivem sem as feiras de vinhos (ou concursos, ou outro tipo de eventos, acrescento eu). Esquece-se, no entanto, de referir que esta é uma situação transversal às publicações de vinho de todo mundo, incluindo nomes maiores como Decanter, Wine International, Wine & Spirits, Wine Advocate ou Wine Spectator.

O próprio jornal PÚBLICO é anualmente co-organizador de duas feiras de vinhos portugueses no Brasil. Daquelas feiras de promoção de vinhos e marcas que Pedro Garcias tanto detesta. Tenho orgulho em participar, enquanto palestrante, nessas feiras do PÚBLICO onde, curiosamente, Pedro Garcias também já esteve na mesma função. 

Ler, estudar, investigar, ouvir as partes envolvidas, consome muito tempo e esforço. Mas isso é jornalismo. É mais fácil, a partir do nada ou de dicas não fundamentadas, fazer muito barulho e atirar pedras em todas as direcções (com frequência, essas pedras caem em cima de quem as atira…). Infelizmente, este tem sido o estilo adoptado por Pedro Garcias nos últimos tempos. Tenho pena, ele é capaz de fazer bem melhor.

Luís Lopes

Director da revista Grandes Escolhas

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