Tinha a mãe a morrer e quis passar a noite com ela. Ameaçaram expulsá-la do hospital

Caso passou-se no IPO do Porto em Janeiro de 2017. Estabelecimento foi condenado pela Entidade Reguladora da Saúde, por violação da lei.

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Nelson Garrido

Uma mulher que quis acompanhar a mãe idosa nos seus últimos dias de vida foi ameaçada de expulsão do Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto. Noticiado pela TSF, o caso faz parte do mais recente relatório da Entidade Reguladora da Saúde dando conta das decisões que tomou no final do ano passado sobre reclamações que lhe foram enviadas por utentes.

A idosa foi internada nesta unidade de saúde em estado de grande debilidade em Janeiro de 2017, com uma doença cancerígena. Os médicos tinham-lhe dado 24 horas de vida e veio, de facto, a morrer escassos dias depois.

Apesar do que prevê a lei em situações deste tipo, a filha da doente não só foi impedida de ficar com ela durante a noite de um dia e na manhã do dia seguinte como ainda foi ameaçada de ser expulsa das instalações pelos funcionários encarregues da segurança, caso não acatasse esta proibição. Atitude que a entidade reguladora diz ter sido não apenas ilegal com também incorrecta do ponto de vista da humanidade com que os utentes devem ser tratados.

No depoimento que prestou, a filha da doente contou como na noite de 13 de Janeiro pediu aos enfermeiros que a deixassem fazer companhia à mãe durante toda a noite, dado que esta se encontrava “num estado de grande aflição física e psicológica”. O pedido foi-lhe recusado, tendo sido ameaçada com o recurso aos funcionários da segurança. Saiu pelo seu pé mas em lágrimas do IPO, para ali voltar na manhã seguinte, pouco antes das 9h. Viu a entrada barrada pelo segurança, só lhe tendo sido permitido ingressar no estabelecimento hospitalar pelas 11h, hora que coincide com o horário normal de entrada para acompanhamento.

Os responsáveis do IPO invocaram o regulamento de visitas e acompanhantes do estabelecimento. Sucede que existem regras plasmadas naquele do documento em "total desrespeito pela legislação em vigor", concluiu a entidade reguladora, que recomendou a sua alteração em conformidade.

“A situação denunciada poderá traduzir-se num comportamento atentatório dos legítimos direitos e interesses dos utentes de acompanhamento em todas as fases da prestação de cuidados de saúde”, e também do direito a que “os cuidados de saúde sejam prestados humanamente e com respeito”, observa o relatório.

O texto remete para a legislação em vigor, segundo a qual “as pessoas com doença incurável em estado avançado ou em estado final de vida, internadas em estabelecimento de saúde, têm direito ao acompanhamento permanente de ascendente, descendente, cônjuge ou equiparado e, na ausência ou impedimento destes, ou por sua vontade, de pessoa por si designada”. Esse acompanhamento pode ser feito quer de dia quer de noite, “com respeito pelas instruções e regras técnicas relativas aos cuidados de saúde aplicáveis”.

Numa reacção às notícias sobre o sucedido, o conselho de administração do IPO do Porto anunciou que alterou o regulamento de visitas e acompanhantes, por forma a adaptá-lo à lei em vigor, a 9 de Janeiro passado. "A prática de humanização no IPO-Porto desde há 44 anos é de total apoio às necessidades dos doentes em tratamento e em fase terminal", asseguram os administradores, segundo os quais o caso em questão corresponde a "uma reclamação única para esta situação clínica", tendo-se traduzido por "uma espera de 1h e 50m no dia 14 de janeiro de 2017, por necessidade de prestação de cuidados ao outro doente que se encontrava no mesmo quarto".

Diz ainda o conselho de administração que "a doente não estava em morte iminente, tendo falecido a 17 de Janeiro, com a presença constante dos familiares". No IPO-Porto ocorrem cerca de mil óbitos por ano em situação de internamento e, garantem os administradores, "com acompanhamento consensual.”

BE questiona Governo

Também em reacção a esta notícia, o Bloco de Esquerda enviou nesta terça-feira várias questões ao Ministério da Saúde para saber que medidas  foram adoptadas pelo Governo no sentido de dar cumprimento a uma resolução do Parlamento sobre os direitos dos utentes, aprovada em 2017.

Nesta resolução, que foi aprovada por unanimidade, recomendava-se ao Governo "que avaliasse as práticas e os regulamentos internos de todas as instituições inseridas no Serviço Nacional de Saúde, identificando situações em que não estão a ser respeitados os direitos dos utentes, nomeadamente no que diz respeito ao direito a acompanhamento". 

Nas questões enviadas nesta terça-feira, o BE adianta que, "tanto quanto se sabe, o levantamento dos regulamentos internos não foi efectuado pelo Governo".

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