Jovens detidos em manifestação acusados de participação em motim

Arguidos negam acusações do MP que diz que atiraram pedras, uma garrafa de águas e injuriaram os polícias durante a manifestação.

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Nuno Ferreira Santos

O Ministério Público (MP) acusou de vários crimes, entre eles ofensas à integridade física e participação em motim, os quatro jovens que foram detidos durante a manifestação em sequência do caso do Bairro da Jamaica. O despacho foi conhecido nesta quinta-feira de manhã, no Tribunal de Pequena Instância Criminal, em Lisboa, durante o início do julgamento. 

Os quatro arguidos negam as acusações do MP. Baseado no auto de notícia da PSP, o MP acusa dois jovens de terem atirado pedras aos agentes durante a manifestação na Avenida da Liberdade, em Lisboa, no dia 21 de Janeiro, um outro arguido de ter atirado uma garrafa de água e outro ainda de injúrias. Refere também que o arremesso de pedras causou danos nos escudos e num capacete, um prejuízo no valor de mais de 1700 euros.

Foram ouvidos seis agentes, mas apenas um participou na detenção de dois dos quatro jovens.

Hugo Rodrigo da Palma Santos, do Corpo de Intervenção, que estava a chefiar uma equipa de 12 agentes nesse acontecimento, começou por dizer que tinha a certeza absoluta de ter visto um dos arguidos, J., a atirar pedras; mas em relação a outro, B. A., era “dúbio”, por isso tinha apenas “quase a certeza”.  

No final recuou para garantir ter “100% certeza” em relação a B. A. No início contou que viu B. A. no grupo que estava a lançar pedras. Só que o grupo fugiu, ficou só ele, e a pedra que lhe acertou nas costas enquanto protegia o intendente Luís Moreira foi lançada por ele ou por “alguém”, disse.

Já em relação a J. referiu que o apanhou em “flagrante delito” a atirar pedras. Alguma pedra bateu no corpo dos seus homens?, perguntou a juíza. “Não sei, são centenas de pedras a caírem”, respondeu, falando numa “chuva de pedras”.

Três dos quatro arguidos disseram que os agentes os ameaçaram por estarem a filmar a manifestação de dia 21.

O intendente Luís Moreira afirmou que a ordem para o disparo de balas de borracha foi dada depois da agressão aos agentes e não como forma de dispersar os manifestantes que estavam a circular na faixa de rodagem e aos quais tinha sido indicado para irem para o passeio. A indicação do agente começou por ser que os disparos fossem para o alto, mas depois em direcção a zonas do corpo onde não pudessem ser letais já que as pedras continuaram a ser atiradas.

“Vai para a tua terra”

“Não arremessei uma única pedra”, afirmou B. A. “Fui apanhado entre o fogo de ambas as partes”, ou seja, entre as balas da polícia e as pedras lançadas por pessoas com a cara tapada, vindas da zona perto de uma praceta perto do Hotel Tivoli, contou. T. disse ter feito exactamente o que lhe pediram quando os polícias o abordaram: encostar-se à parede. “Eram mais de cinco”, afirmou. Acusou também um agente de o ter atingido com um cassetete, de o terem atirado ao chão.

J. contou que viu o arguido B. A. a ser detido e que filmou o momento e acusou os agentes de lhe terem chamado “preto do car…” e de terem dito “vai para a tua terra” quando o transportavam para a esquadra. 

O terceiro arguido, B.F., referiu que nem sequer tinha participado na manifestação, mas que se deparou com o acontecimento vindo do local de trabalho. Está acusado de ter atirado uma garrafa de água de 1,5 litros aos agentes. 

Também T. negou todas as acusações, nomeadamente ter gritado aos polícias “racistas filhos da puta”, como acusa o despacho. 

Já o intendente Luís Moreira apresentou uma versão completamente diferente dos factos. Disse que a PSP tinha tido a informação de que as pessoas guardaram pedras nas mochilas ainda no Terreiro do Paço.  

Quando estavam a tentar desviar os manifestantes para o passeio na Avenida da Liberdade começaram a ser “atingidos por pedras”. “Dei ordem de dispersão porque havia perigo”, afirmou. “Fui protegido por um escudo."

Apesar de não conseguir identificar ninguém que tenha atirado pedras, o intendente presenciou duas detenções, a de B. F. e a de T.

“Era muita gente a atirar pedras"

O agente André Araújo, que ficou com uma lesão no joelho, não conseguiu identificar nenhum dos arguidos presentes. “Era muita gente a atirar pedras."

De manhã, o julgamento começou de forma conturbada, com uma testemunha a ser levada por um agente para ser identificado como “suspeito de um crime” e a provocar a indignação de um homem que acusou o polícia de “intimidação”. O jovem L. não quis prestar declarações ao PÚBLICO. 

A sessão tinha sido interrompida a pedido do advogado dos jovens, Vasco Seabra Barreira, que queria mais tempo para ler a acusação do MP, uma vez que a conheceu apenas durante a sua leitura na sessão. Tinha requerido o adiamento para um prazo máximo de dez dias para exercer o contraditório, algo que o MP recusou — mas com o qual acabou por concordar.

O protesto de dia 21 começou no Terreiro do Paço, em frente ao Ministério da Administração Interna, prosseguiu até ao Marquês de Pombal e no regresso pela Avenida da Liberdade acabou com a polícia a atirar balas de borracha e a acertar em alguns manifestantes — a PSP justificou-o com a necessidade de dispersar e de se defender de “pedras” que lhe foram atiradas.

O motor da manifestação foi o caso do Bairro da Jamaica, que envolveu conflitos entre a PSP e uma família, que acusou os polícias de uso excessivo e injustificado de força.

O julgamento prossegue no dia 21 de Fevereiro.

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