Os búlgaros ilegais e os franceses zangados

Penev e Kostadinov cruzaram a fronteira à socapa, meteram a Bulgária no Mundial 1994, e criaram um rancor que ainda dura

Foto
Kostadinov no jogo do Mundial 1994 em que a Bulgária venceu a Argentina Reuters

A melhor classificação da selecção da Bulgária em Campeonatos do Mundo remonta ao EUA 1994, em que a equipa de Stoichkov, Kostadinov, Iordanov, ou Balakov terminou no quarto lugar. Os búlgaros brilharam na fase de grupos, batendo a Argentina de Batistuta (e de Maradona, em final de carreira internacional) e avançaram até às meias-finais depois de vencerem a Alemanha. Na disputa por um lugar na final, a Bulgária perdeu com a Itália e depois seria goleada pela Suécia (0-4) na partida de atribuição do terceiro lugar.

Esse quarto lugar continua a ser a melhor classificação da história da Bulgária em Mundiais – e foi também a penúltima vez que os búlgaros marcaram presença na fase final do torneio, para a qual não se qualificam desde 1998. Mas a ida da selecção aos EUA até podia nem ter acontecido, devido a uma questão burocrática que a Bulgária contornou com alguma criatividade.

Antes disso, o contexto. A vitória ainda valia dois pontos e no Grupo 6 as contas eram simples de fazer: a Suécia foi a primeira equipa a qualificar-se, na penúltima jornada, deixando a segunda vaga para ser disputada entre França e Bulgária – e a derradeira partida seria um confronto directo. Os franceses jogavam em casa, tinham um ponto de vantagem na classificação, e bastava-lhes o empate. O cenário ainda ficou melhor quando Cantona adiantou os “bleus” no Parque dos Príncipes. Antes do intervalo, Kostadinov fez o 1-1 – mas o resultado continuava a servir para a França.

O resultado ainda servia para os franceses e o tempo ia passando. A 20 segundos dos 90’, a França teve um livre no ataque, junto à linha de fundo. Ginola recebeu a bola e, em vez de segurá-la, tentou o cruzamento para Cantona. E os acontecimentos precipitaram-se: o passe saiu demasiado largo, foi parar aos pés de um búlgaro, e em escassos segundos – e apenas três passes – a bola chegou ao ataque, com Penev a assistir Kostadinov, que fugiu a um defesa e desferiu um remate indefensável para “bisar” e colocar a Bulgária no Mundial.

O problema é que não era suposto Penev ou Kostadinov estarem em Paris para disputar a partida. A história seria contada, anos mais tarde, por Zlatko Yankov – que disputou a partida no Parques dos Príncipes e depois estaria no Mundial. “Esta história pode soar a lenda, mas é rigorosamente verdade. Eles [Penev e Kostadinov] tiveram problemas com o visto e precisaram de ajuda do nosso guarda-redes Borislav Mikhailov, e do ex-internacional búlgaro Georgi Georgiev, que estavam na altura a jogar em França pelo Mulhouse, para se juntarem à equipa em Paris”, contou Yankov.

“O Kostadinov e o Penev atravessaram à socapa a fronteira entre a Alemanha e a França num carro conduzido por Georgiev. A dupla do Mulhouse escolheu propositadamente um posto fronteiriço com segurança mais reduzida”, acrescentaria Yankov em 2011.

O final da história seria escrito no Parque dos Príncipes. “Estávamos à espera que o árbitro apitasse. Até a equipa técnica estava convencida que não tínhamos hipótese”, recordou Yankov, admitindo que Ginola pudesse ter tomado outra opção: “Podia ter ‘queimado’ tempo e o jogo teria acabado. Mas provavelmente achou que conseguiam ganhar.”

Não conseguiram. E a França, que um mês antes tinha o apuramento na mão (fazia dois jogos em casa e precisava de vencer Israel ou empatar com a Bulgária, mas perdeu ambos), ficou fora do Mundial.

Nascia um rancor entre Ginola e o seleccionador Gérard Houllier que nunca foi ultrapassado. O técnico jamais perdoou a opção tomada pelo futebolista, a quem acusou, entre outras coisas, de ter “cometido um crime contra a equipa”. “Não matei ninguém. Cometi um erro em campo. Desde então a França já venceu o Mundial e o Europeu, por isso é uma história do passado”, diria anos mais tarde Ginola. Contudo, num livro, Houllier repetiria às críticas – o que levou Ginola a colocar uma acção em tribunal. Tudo por causa de dois búlgaros que atravessaram a fronteira à socapa.

Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos

Sugerir correcção
Comentar