Uma degradada democracia

A existência do Bairro da Jamaica, por onde passei várias vezes, no concelho do Seixal, só por si é uma afronta à democracia.

Fiquei estupefacto quando no domingo passado, 20/1/19, a apresentadora do Jornal das 8 da TVI, Judite de Sousa, mostrou um vídeo onde se via uma brigada do Corpo de Intervenção da PSP a entrar no Bairro da Jamaica, no Seixal, e a começar a bater em tudo o que era gente que por ali circulava. Vê-se mesmo ao longe o que parece ser um guarda encorpado, de cabelos brancos, a socar com grande agressividade a cara de um rapaz que tinha agarrado e acaba por cair. Mulheres empurradas e tombadas pelo chão, outras a gritar e a desviarem-se do local e, a certa altura, é certo, um jovem vestido de negro, de raiva, salta para cima de um polícia. Logo perseguido por alguns guardas de cassetete em punho. A minha estupefacção deriva do facto de ter visto algumas cenas destas em Moçambique, mas durante o tempo da guerra colonial... Assim como imagens vindas da África do Sul sob o regime do apartheid ou, mais recentemente, oriundas dos Estados Unidos da América.

Esta democracia que temos, degradada e vilipendiada por autênticos monstros que não viveram os tempos do fascismo em Portugal e do colonialismo nos territórios portugueses em África, e que aprovam estas intervenções policiais (é só ver a caixa de comentários do jornal Observador), está à beira de desaparecer se não se puser cobro a isto, por um lado, e se não se iniciar uma campanha junto das forças policiais e militarizadas, assim como da população em geral, sobre os direitos e deveres de todos os cidadãos, incluindo os imigrantes. É só substituir algumas das horas que os canais da RTP passam com charlas inócuas sobre o pobre do futebol caseiro por programas bem feitos sobre os objectivos atrás referidos. E certamente que não faltarão entidades publicas ou privadas com suficiente domínio na matéria para o fazer. No estilo de alguns programas acerca da Europa que diferentes canais de televisão têm passado ou sobre qualquer outro.

A existência do Bairro da Jamaica, por onde passei várias vezes, no concelho do Seixal, onde resido há mais de uma década, só por si é uma afronta à democracia. Ali vivem centenas de pessoas há dezenas de anos, como nas favelas do Rio de Janeiro ou de S. Paulo, ainda com muito menos condições. E esta opressão social, económica e psicológica, a que estão sujeitas, só por si seria razão para que as forças policiais actuassem de outra forma. Se ali ficaram, tomando aquele espaço de assalto, é porque viviam em outros locais ainda mais degradados.

Esta afronta à democracia resulta das políticas seguidas pelos três partidos, PS, PSD e CDS, que estiveram sempre no governo, desde há mais de 40 anos, depois do 25 de Novembro de 1975, enchendo os bolsos a grande parte dos seus dirigentes, com escândalos atrás de escândalos, como actualmente tem vindo ao de cima, mas sem nunca serem responsabilizados pelos seus comportamentos, arranjando sempre algum lugar num concelho de administração das empresas do regime. Não querendo saber para nada dos muitos milhares de pessoas que vivem em condições idênticas às do Bairro da Jamaica.

E que os polícias não venham com mais desculpas que foram recebidos com pedras. E na Avenida da Liberdade também há pedras? E aquele monstro chefe da polícia de Guimarães, que há alguns anos descarregou a sua fúria sobre um adepto benfiquista à saída do estádio, porque não foi imediatamente expulso da PSP pelo ministro de então, como era sua obrigação, e para dar o exemplo?

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