Mais de um terço dos novos diagnosticados com VIH são imigrantes

OMS nota que a mudança de país pode expor as pessoas a situações que potenciam o risco de infecção. O diagnóstico tende a ser mais tardio. Especialistas apontam soluções possíveis.

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rita rodrigues

Cerca de 35% das pessoas diagnosticadas com VIH em Portugal, em 2016, eram imigrantes. Uma estimativa abaixo da média dos países da União Europeia e Espaço Económico Europeu que aponta para 40% dos novos casos. Estes dados têm origem num relatório de 2017 do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças, agora repescados pela Organização Mundial Saúde (OMS) naquele que é o primeiro relatório sobre a saúde de migrantes e refugiados dos 53 países que compõem a região europeia.

Destes países, 47 dispõem de dados sobre VIH na população imigrante. O relatório, divulgado esta segunda-feira, refere que maior parte dos novos diagnosticados são naturais de países fora da região europeia da OMS. Nota ainda que há evidências crescentes que sugerem que uma proporção significativa de refugiados e migrantes que vivem com VIH, incluindo aqueles que são originários de regiões com elevada prevalência da infecção, contraem o vírus após a chegada.

De facto, dez países do leste da região europeia da OMS reportaram que apenas 10% das pessoas com VIH foram infectadas antes de migrarem – a maioria contraiu a infecção em países da Europa Central e Oriental.

O processo de mudança de país pode expor as pessoas a situações que potenciam o risco de contrair o vírus como a “violência sexual, o abuso de substâncias e comportamentos secundários de risco associados à pobreza, isolamento e marginalização”, lê-se.

Chegar cedo ao diagnóstico e consequente tratamento, tal como acontece com outros grupos, é um dos principais desafios. Na Europa, entre a comunidade imigrante a infecção tende a ser detectada mais tardiamente do que entre outros grupos, nota a OMS. O que pode ser explicado, aponta, pelas “discrepâncias e lacunas” na prevenção e diagnóstico de VIH em países de origem com elevada taxa de incidência, pelo estigma e discriminação que ainda lhe é associado e pelas dificuldades de acesso aos sistemas de saúde muitas vezes colocadas a migrantes e refugiados nos países de destino. Em situações de imigração irregular, pode também haver o receio de que a procura de cuidados de saúde tenha consequências administrativas, salienta.

Esse medo de serem denunciados ou deportados pode realmente existir, diz em resposta escrita o GAT, associação responsável pelo Espaço Intendente, em Lisboa, dirigido a populações vulneráveis a doenças sexualmente transmissíveis. “Podem ainda ocorrer situações em que a procura de melhores condições de vida e/ou a grande mobilidade levem ao adiamento da procura de cuidados de saúde.”

Kamal Mansinho, infecciologista no Hospital Egas Moniz, garante que os profissionais de saúde não reportam aos serviços de imigração. “O que fazemos, juntamente com o serviço social, é o encaminhamento do migrante para que tenha acesso ao Serviço Nacional de Saúde.” Esse processo é que pode ser mais demorado. “Sabemos que as pessoas de países de maior risco continuam a ter dificuldades. Importa perceber quanto tempo passa desde a chegada do migrante até que este tem acesso aos cuidados de saúde gerais. Na Europa, este tempo é variável, sendo certo que estão garantidos os cuidados urgentes.”

Segundo a lei portuguesa, os cidadãos estrangeiros que não tenham autorização de permanência ou residência ou estão em situação irregular podem iniciar o processo de entrada no SNS ao fim de três meses no país. Os restantes têm acesso garantido como um cidadão nacional.

Avaliar migrantes à entrada do país?

Não há uma via única de diagnóstico da população migrante. Mas, António Diniz, coordenador da unidade de imunodeficiência do Hospital Pulido Valente, destaca o papel das associações de base comunitária, dada a proximidade a comunidades por vezes fechadas. Tem proposto há vários anos, inclusive naqueles em que foi director do Programa Nacional VIH/SIDA (2012-2016), a implementação de uma avaliação geral de saúde (não obrigatória) das pessoas migrantes à entrada no país, que incluía rastreios das principais doenças transmissíveis. "Temos que afastar a ideia de que isto é discriminatório. É bom para a pessoa que recebe o diagnóstico e tratamento – que bem-sucedido torna a carga viral indetectável – e é bom para o país que corta assim a cadeia de transmissão do vírus", refere.

Para Kamal Mansinho, esta solução comporta um elevado risco de afastar a população-alvo dos cuidados. Acredita que há outras formas melhorar o circuito e encurtar o tempo de chegada ao tratamento.

Os responsáveis do GAT também salientam a necessidade de se investir em campanhas de informação e sensibilização adaptadas aos públicos-alvo – que tenham em conta que "abordagens que funcionam para um determinado referente cultural podem ser ofensivas noutro" – e na formação e compensação do trabalho de mediação comunitária, como acontece no Espaço Intendente. Aí fazem-se rastreios gratuitos e confidenciais.

Consideram, além disso, fundamental reduzir barreiras e simplificar o acesso a cuidados de saúde. "Muitas vezes são as pessoas com maior risco de exclusão social que mais passos têm de dar, indo a vários serviços públicos, para aceder a alguns cuidados a menor custo. É comum funcionários de entidades privadas convencionada com o SNS, como laboratórios de análises clínicas ou farmácias, não saberem usar (ou não terem) softwares que permitam a pessoas estrangeiras beneficiar da assistência medicamentosa prevista, por exemplo, em acordos bilaterais". Com Rita Marques Costa

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