O valor científico e social do termalismo

Com a comparticipação dos tratamentos termais pelo Estado cumpre-se a Lei e faz-se justiça social.

Desde tempos imemoriais que as mais diversas civilizações encontraram benefícios de saúde através da utilização da água mineral natural. Esta prática, inicialmente empírica, progrediu na sua fundamentação científica e, nos dias de hoje, são já incontestáveis as provas produzidas pela moderna investigação laboratorial e clínica acerca do seu interesse para a saúde. Esta realidade suporta a decisão política da esmagadora maioria dos países europeus de reembolsar ou comparticipar os tratamentos termais aos seus cidadãos. Ou seja: o termalismo assumiu uma dimensão social que, para além de uma lógica política, tem hoje uma sólida e reconhecida base científica (infelizmente muitas vezes desconhecida).

O termalismo é um fenómeno de Saúde. Assim o reconhece a legislação portuguesa, renovada pelo Dec. Lei 142/2004; assim o consagra a Organização Mundial da Saúde (OMS). A evolução histórico-filosófica do conceito de saúde tem subjacente uma dialéctica “doença-saúde” muitas vezes condicionadora de uma atitude reducionista do que deve ser a intervenção terapêutica, cingindo-a a medidas dirigidas à doença e não tanto à promoção da saúde. Ora, todos sabemos que não deve ser assim. Mas por vezes esquecemo-lo. A começar pelo ensino médico que quase restringe os seus programas àquilo que se designa por patogénese (ou seja, os mecanismos que originam a doença), esquecendo quase completamente as bases da “salutogénese”, isto é, os factores que, independentemente da doença, podem melhorar a saúde. São eles a nutrição, o exercício físico, o relaxamento físico e psicológico (sono e repouso incluídos), a evicção tabágica e de outros factores tóxicos e a interacção social. Através desta abordagem podemos melhorar os denominados comportamentos de saúde, contribuindo decisivamente para fazer face à doença. Isto é particularmente relevante nas situações de cronicidade, que constituem actualmente o principal ónus da saúde, repercutindo-se na esfera económica e social. Por isso, todas as políticas que privilegiem a promoção dos comportamentos de saúde têm resultados claramente positivos nos seus índices, estendendo-se estes benefícios a ganhos económicos significativos. Muitos estudos “custo-benefício” efectuados o demonstram, particularmente no sector termal.

Sentimos, pois, como penalizadora a suspensão da comparticipação dos tratamentos termais ocorrida em Agosto de 2011, na altura justificada pelo programa de assistência económico-financeira da “troika”. Uma vez passado esse período, um conjunto de personalidades ligadas ao termalismo português entregou a 12 de Outubro de 2017 uma petição pública, solicitando à Assembleia da República que aprovasse as disposições legislativas necessárias para que fossem repostos os reembolsos directos das despesas com os tratamentos termais dos utentes do Serviço Nacional de Saúde. Esta petição baixou à comissão parlamentar da saúde, tendo sido registada sob o n.º 389/XIII/3.

No âmbito da discussão do Orçamento do Estado 2018, foi debatida e aprovada a proposta de alteração que deu lugar ao artigo 190.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, que aprovou esse Orçamento. Nesse artigo ficou assente que durante o ano de 2018 o Governo estabeleceria o regime de reembolso, mediante prescrição médica, das despesas com cuidados de saúde prestados nas termas.

Para dar cumprimento a esta prerrogativa, foi criada uma Comissão Interministerial, por despacho conjunto do secretário de Estado adjunto e da Saúde e da secretária de Estado do Turismo – Despacho n.º 1492/2018, de 12 de Fevereiro de 2018 –​ para, no prazo de 90 dias, concretizar o disposto no citado artigo 190.º, devendo, designadamente, identificar as patologias e cuidados prestados passíveis de ser comparticipados, as estâncias termais que os podem prestar, o mecanismo de prescrição desses cuidados e as propostas de tabelas de preços. A Comissão Interministerial, na qual tive a honra de participar em representação da Ordem dos Médicos, iniciou funções a 5 de Março e a 7 de Junho aprovou o relatório final para validação tutelar.

Foi assim com particular satisfação que vimos publicada a 31 de Dezembro a Portaria 337-C/2018 que (r)estabelece finalmente o regime de comparticipação do Estado nos preços dos tratamentos termais.

Cumpre-se assim a Lei. Faz-se justiça social. Valoriza-se o trabalho multiprofissional da Comissão Interministerial. Reconhece-se a base científica do termalismo, reafirmando-se o seu alinhamento com o Plano Nacional de Saúde – Revisão e Extensão a 2020.

A presente portaria assume-se como um projecto-piloto a implementar no período de um ano. Durante este período far-se-á uma avaliação dos resultados desta política. Será necessário avançar quanto antes nessa avaliação, estabelecendo desde já os seus objectivos-alvo, definindo as metodologias mais adequadas, escolhendo criteriosamente a(s) entidades que desenvolverão todo esse imenso trabalho.

Urge começar!

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