O fabuloso destino de Alphonso Davies

Nasceu num campo de refugiados no Gana, cresceu no Canadá, e, aos 18 anos, é uma aposta de presente e de futuro do Bayern Munique.

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Reuters

Os adeptos de futebol estão mais que avisados para os prodígios adolescentes. Veja-se o que aconteceu com Freddy Adu, um fenómeno aos 14 anos que Pelé designou como seu sucessor e que, década e meia depois, quando já devia ser o capitão da selecção dos EUA com mais de 100 internacionalizações e dono de uma carreira distinta no futebol internacional, está à espera que o telefone toque – nem o Las Vegas Light, o clube da USL que lhe deu a última oportunidade, o quer de volta. Ainda ninguém disse que Alphonso Davies é o novo Pelé, mas as expectativas são enormes para este jovem que, nos seus 18 anos de vida, foi de um campo de refugiados no Gana até um dos maiores e mais históricos emblemas do futebol mundial.

Davies irá em breve estrear-se pela primeira equipa do Bayern Munique, que pagou por ele um valor inicial de 13 milhões de dólares, que poderá crescer até aos 22 milhões, um recorde para jogadores provenientes da Major League Soccer (MLS) – jogava nos canadianos Vancouver Whitecaps. Davies traz consigo talento e expectativas enormes, mas também uma história de sobrevivência, dele, dos irmãos e dos pais.

Claro que a adaptação a um futebol mais exigente e com a camisola do Bayern não será imediata, mas a vida de Alphonso Davies tem sido sempre assim, mesmo antes de nascer, quando os pais tomaram a decisão de fugir da Libéria, um país mergulhado em guerra civil, rumo à incerteza de um campo de refugiados no Gana, uma família entre os mais de 400 mil liberianos deslocados pelo conflito. “Era difícil e perigoso viver ali. A única maneira de sobreviver era pegar em armas e nós não queríamos pegar em armas”, contaria mais tarde o pai, Debeah Davies . “Era assustador. Para ir a algum lado e arranjar comida tínhamos de passar por corpos. O melhor era fugir”, recorda Victoria, a mãe.

Os Davies deixaram para trás um conflito que iria terminar em 2003, com a vitória dos rebeldes e o fim do governo de Charles Taylor, e instalaram-se num campo de refugiados em Budubaram, a cerca de 40 quilómetros de Acra, capital do Gana. Foi em Budabaram, a 2 de Novembro de 2000, nasceu Alphonso Boyle Davies, o primeiro filho de Debeah e Victoria. Os primeiros cinco anos de vida de Alphonso foram limitados àquele acampamento criado nos anos 1990 pelas Nações Unidas, e não era ali que os Davies queriam ficar. Nem regressar à Libéria. “A vida de refugiado é como estarmos fechados num contentor. Não podemos ir longe”, dizia Victoria.

Em 2005, Alphonso e a família, que entretanto crescera com mais duas crianças, mudaram-se para Edmonton, no Canadá, ao abrigo de um programa de acolhimento de refugiados. Longe de casa e sem familiares por perto, os pais tiveram vários empregos para poderem dar sustento aos filhos e Alphonso, como o mais velho, eram quem tinha de tomar conta dos irmãos enquanto os pais trabalhavam. Mas Debeah e Victoria nunca deixaram que os filhos descurassem os estudos e, mesmo quando o futebol começou a aparecer na vida de Alphonso, a mãe tinha dúvidas.

Quando os Vancouver Whitecaps ofereceram a Alphonso uma residência no seu centro de estágio quando este tinha 14 anos, a mãe não o queria deixar ir, mas ele foi. Menos de um ano depois, já estava a jogar pela equipa secundária dos Whitecaps, que jogava na United Soccer League (USL). Estreou-se com 15 anos e cinco meses, marcou o seu primeiro golo um mês depois e, ainda antes de fazer 16 anos, já estava na equipa principal dos Whitecaps. A 16 de Junho de 2016 tornava-se no segundo jogador mais jovem de sempre, depois de Freddy Adu, a jogar na MLS. Passou no teste de cidadania canadiana em Junho de 2017 e, pouco depois, estava a estrear-se pela selecção principal do Canadá, pela qual já leva três golos em nove jogos.

No Verão de 2018, o Bayern olhou para Alphonso, um extremo rápido, potente e com golo, como uma solução para colmatar as inevitáveis retiradas de Arjen Robben e Frank Ribéry – o holandês está com 34 anos, o francês com 35. E Niko Kovac, o treinador croata dos bávaros, não tem dúvidas que o jovem canadiano está pronto para jogar com os maiores. “Se o compararmos com os outros jovens da equipa, ele está claramente à frente deles. Ainda tem de se habituar, mas tem qualidade e, se nos puder ajudar, não lhe vamos cortar as pernas”, disse Kovac.

Para Alphonso, está tudo a acontecer muito depressa. Ainda há uns meses estava a jogar FIFA e a controlar os jogadores que agora serão seus colegas e adversários, e agora já está a viver no terceiro continente diferente na sua ainda curta vida, uma vida tornada possível pelos pais e pela decisão de abandonar um país onde a sobrevivência não era certa. “Só os quero deixar orgulhosos. Todos os dias em que vou treinar penso no que eles fizeram e isso motiva-me para estar ao mais alto nível”, contou numa entrevista recente à Sports Illustrated. Se Alphonso Davies vai ser próximo Pelé ou o próximo Freddy Adu, ainda é cedo para dizer, mas esta história já teve um final feliz.

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