Segurança dos doentes nos hospitais está ameaçada, avisam farmacêuticos

A falta de pessoal fez com que os serviços farmacêuticos no hospital de São João, no Porto, tivessem de encerrar durante a noite. Segundo Ana Paula Martins, há farmacêuticos que já não conseguem sequer substituições por licenças de parto ou por doença.

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Serviço de urgência do Hospital de São João Paulo Pimenta/ARQUIVO

A bastonária da Ordem dos Farmacêuticos alerta que a segurança dos doentes está posta em causa nos hospitais públicos por falta de profissionais e diz que só falta aos farmacêuticos "lavar o chão" das farmácias hospitalares. Reflexo disso é o hospital de São João, no Porto, que teve de encerrar os serviços farmacêuticos durante a noite por falta de pessoal, deixando também de poder dar apoio nocturno a grande parte da região.

A bastonária Ana Paula Martins escreveu esta semana uma carta à ministra da Saúde na qual manifesta a sua "maior preocupação" com a falta de recursos humanos nos hospitais, concretamente nas farmácias hospitalares, responsáveis pela preparação dos medicamentos dos doentes.

"A segurança está em causa porque os farmacêuticos não são em número suficiente para as actividades que já hoje têm", escreve a bastonária na carta enviada a Marta Temido, em que dá exemplos de actividades que os farmacêuticos tiveram de deixar de realizar nos hospitais.

Em entrevista à agência Lusa, Ana Paula Martins manifesta-se "muito preocupada com a possível falta de segurança que se está a viver nos hospitais", apesar de ressalvar que não tem denúncias de casos concretos com doentes específicos.

"Temos todas as razões para acreditar que os farmacêuticos, ao avisarem que a situação está a degradar-se totalmente, estão a querer chamar a atenção para o que pode acontecer e que querem moralmente não se sentir responsáveis. Judicialmente podem até ter responsabilidade, mas moralmente, para um profissional de saúde, isso tem muita importância", afirma a representante dos farmacêuticos.

“Lavar o chão das farmácias”

A bastonária diz mesmo que os farmacêuticos já não conseguem "garantir a segurança dos doentes" e que só lhes falta "lavar o chão das farmácias hospitalares", dada a quantidade de trabalho e de funções e a falta de profissionais. "Se for preciso [lavar o chão], fá-lo-emos, mas gostava que não fosse preciso", desabafa.

Ainda sobre as questões de segurança, Ana Paula Martins questiona a ministra sobre quem terá a responsabilidade se houver um problema grave com a troca de medicamentos como já aconteceu no passado. "Não vamos assumir responsabilidades que não são nossas", avisa.

Já em Junho do ano passado, a bastonária tinha escrito uma carta ao anterior ministro Adalberto Campos Fernandes, alertando para a necessidade de contratar mais profissionais para as farmácias hospitalares.

Aquando da passagem, no Verão passado, para as 35 horas de trabalho semanais, a Ordem dos Farmacêuticos promoveu um estudo em que concluiu que seriam precisos mais cerca de 150 farmacêuticos e quase o mesmo número de técnicos de diagnóstico e terapêutica para cumprir as necessidades mínimas dos hospitais públicos.

"Desde Junho até agora pouco ou nada aconteceu. Terão entrado dois a quatro farmacêuticos dos que estavam planeados, mas está muito longe da necessidade", indica à Lusa.

Na carta à ministra, Ana Paula Martins diz que os farmacêuticos já não conseguem sequer substituições por licenças de parto ou por doença.

A bastonária avisa que há hospitais a reduzir horários dos serviços farmacêuticos e com dificuldades na preparação de medicação para doentes oncológicos (citotóxicos) e de nutrição parentérica (nutrição por via endovenosa). Fica também comprometida a realização de alguns ensaios clínicos, nos quais são necessários farmacêuticos, "retirando competitividade aos hospitais".

"Queremos fazer mais, somos capazes de fazer mais, mas não nos deixam. Depois, quando saímos e vamos para o sector privado, as nossas competências são aproveitadas. Começamos já a ver projectos inovadores no sector privado que só eram habituais no SNS [Serviço Nacional de Saúde]", afirma Ana Paula Martins na carta.

A Ordem dos Farmacêuticos lembra também que a carreira destes profissionais não tem ainda a sua implementação terminada.

Um dos objectivos da carreira, recorda a bastonária, era a criação de um internato no SNS permitindo a formação de novos farmacêuticos que pudessem tornar-se especialistas. "Os hospitais, para contratarem farmacêuticos, têm de os fazer entrar pela carreira farmacêutica, porque não podem já entrar através da carreira geral. Para entrarem têm de ter especialidade. Precisamos de formar novos farmacêuticos", indica.

Mas, para isso, o Ministério da Saúde tem de publicar um diploma que permita a abertura do internato nos hospitais. Ana Paula Martins frisa que quanto mais tempo demorar este assunto a resolver, mais difícil será no futuro próximo ter mais farmacêuticos no SNS.

Na carta à ministra, a bastonária classifica os farmacêuticos como um grupo "discreto, que assume o seu trabalho até ao limite da sua vocação". "Mas o nosso apelo é, sistematicamente, ignorado; governo após governo, nos últimos dez anos, as promessas não são concretizadas; não há uma actuação para que a segurança dos doentes e dos profissionais fique salvaguardada", escreve.

São João encerra serviço farmacêutico nocturno por falta de pessoal 

Depois de anunciada o encerramento do serviço farmacêutico do hospital de São João, foi feita uma denúncia pela Ordem dos Farmacêuticos e comunicada numa carta enviada à ministra da Saúde, na qual a bastonária alerta que a segurança dos doentes está em causa em muitos hospitais públicos, avisando para a dificuldade de garantir a segurança no circuito do medicamento 24 horas por dia.

Segundo a carta, a que a agência Lusa teve acesso, o São João era um dos dois hospitais que dava até agora apoio nocturno a grande parte da zona norte, como Matosinhos e Gaia, que já tinham fechado os serviços de prevenção por incapacidade.

Agora, pela mesma incapacidade e falta de recursos humanos, também o São João vai ter de encerrar o serviço farmacêutico de prevenção entre as 20h e as 8h, segundo explicou à Lusa a bastonária.

O director dos serviços farmacêuticos do São João, Paulo Carinha, também já apontou para um "aumento de incidência e situações de potencial erro", tendo inclusivamente remetido cartas ao primeiro-ministro e ao Presidente da República sobre o assunto.

Numa dessas cartas, a que a agência Lusa teve acesso, Paulo Carinha afirma que "o risco de ocorrência de erros graves", por cansaço, excesso de trabalho e acumulação de tarefas, é "demasiado grave para poder ser ignorado".

Num documento remetido à Presidência da República em Setembro passado, o responsável relatou mesmo que só em agosto houve três erros com medicação e pelo menos um deles foi grave, com dano para o doente, que teve de ser internado por intoxicação.

Paulo Carinha alude mesmo a uma "situação dramática" vivida no seu serviço, que agora tem de encerrar durante o período nocturno.

No ofício enviado à administração do hospital no mês passado, o director dos serviços farmacêuticos do São João refere que é imprescindível a entrada imediata de oito farmacêuticos e quatro técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica.

A falta de profissionais nos serviços farmacêuticos dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde está a fazer com que a actividade tenha de ser reduzida nalgumas unidades, de forma a continuarem a garantir a segurança nos serviços prestados, como a preparação de medicamentos, diz a bastonária da Ordem.

Segundo Ana Paula Martins, também no hospital de São João, como "em outros grandes centros hospitalares", teve de haver "redução do número de horas de preparação de citotóxicos" (para doentes oncológicos) e de nutrição parentérica (endovenosa).

"Não estamos neste momento em condições, em algumas zonas do país, de assegurar durante 24 horas por dia a segurança no circuito do medicamento", lamenta a bastonária, referindo que estão em falta cerca de 150 farmacêuticos e mais outros tantos técnicos de diagnóstico e terapêutica para assegurar o trabalho das farmácias hospitalares.

Ana Paula Martins diz que os serviços estão a ser forçados a reduzir o número de horas em que estão a garantir as necessidades dos hospitais, para poderem fazer o trabalho em segurança.

Na carta à ministra Marta Temido, a Ordem frisa que em vários hospitais não há farmacêuticos suficientes para a sua função, acrescentando que ainda têm de fazer trabalho de outros profissionais, que são também escassos.

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