Veterinária, investigadora, mãe: nada pára a ultramaratonista Jasmin Paris

Britânica foi a primeira mulher a vencer a Spine Race, uma das provas mais duras do Reino Unido que se estende por 439 quilómetros. "Ela está muito forte psicologicamente", confirma Carlos Sá.

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Jasmin Paris com a filha LOIC TREGAN

Veterinária a tempo inteiro, investigadora a braços com uma tese e mãe de uma bebé de 14 meses: uma vida extenuante que não foi suficiente para impedir a britânica de 35 anos Jasmin Paris de ser a primeira mulher a vencer a Spine Race, uma ultramaratona com a extensão de 439 quilómetros. A atleta terminou a exigente prova em 83h12m23s, cortando a meta à frente do irlandês Eoin Keith, batendo o antigo recorde do irlandês por 12 horas.

A Spine Race é conhecida pela dificuldade: temperaturas negativas em várias fases da prova e ausência de períodos oficiais de descanso aumentam a dureza da prova criada em 2012. “É muito duro. Em dois terços do tempo [de corrida] está escuro e é completamente diferente de qualquer corrida que alguma vez completei, porque não tem paragens”, explicou Jasmin, citada pelo The Guardian.

As paragens que Jasmin fez durante a corrida foram rápidas e frenéticas: entre descanso e refeições, o marido levava a filha de 14 meses para que Jasmin pudesse dar-lhe leite. “Tive o incentivo perfeito para chegar [mais rápido] à meta. Estava a minha filha bebé à espera”, contou à Euronews. A parte final da corrida foi a mais difícil, com a atleta a admitir que sofreu alucinações nos derradeiros quilómetros: “Na secção final, continuava a ver animais a aparecer por detrás de cada pedra e continuava a esquecer-me do que estava a fazer”, explicou à BBC.

Os animais acabaram por não passar uma rasteira à mulher que soma o quarto recorde à corrida, depois de três corridas de montanha no Reino Unido, uma vitória na Extreme Skyrunning World Series em 2016 e a British Fell Running em 2018.

“Adorei cada passo enlameado”

A veterinária cresceu em Hadfield, perto de Manchester. Enquanto menina, passou algumas partes da sua infância na República Checa, de onde a mãe é oriunda. Ao contrário de grande parte dos atletas de alta competição, Jasmin não se interessou por desporto A britânica apenas começou a correr em 2008, ano em que saiu da faculdade. “Estava a trabalhar numa pequena clínica veterinária perto de minha casa e um colega sugeriu que fôssemos a uma corrida. Adorei cada passo enlameado e juntei-me a um clube (Glosspdale Harriers) pouco depois”, lembrou, em Novembro, ao site RunUltra.

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Ultramaratona é das mais exigentes LASZLO BALOGH / REUTERS

A corredora garante que o facto de os pais sempre a terem levado a explorar a natureza ajudou nos terrenos mais difíceis, característicos da ultramaratona que acabaria por vencer: “Desde muito nova ia a locais selvagens com os meus pais e fiz muita caminhada em grandes montanhas com o meu irmão na adolescência. Ambos devem ter ajudado a minha habilidade em terreno técnico”.

Para a britânica, uma ultramaratona é definida pela capacidade mental do corredor, algo que, na opinião de Jasmin, atenua as diferenças físicas entre ambos os sexos: “Em distâncias curtas, as diferenças psicológicas entre homens e mulheres tornam inevitável que os homens sejam mais rápidos. Mas em corridas mais longas elas prendem-se com resistência, algo em que a diferença entre géneros é muito menos pronunciada”.

Treinos começam às cinco da manhã

Quando engravidou, não deixou morrer a paixão pela corrida. Continuou a participar em provas, a última — de sete quilómetros — realizada apenas dez dias antes de dar à luz. “Na verdade, gostei muito de correr enquanto estava grávida. Tinha zero expectativas e não coloquei qualquer tipo de pressão nos treinos ou nas corridas”, disse.

Quatro semanas após o nascimento da filha, Jasmin voltou à estrada. Os treinos passaram para as madrugadas. Durante a semana, a atleta corre cerca de 90 minutos, com início às cinco da manhã. Ao fim-de-semana são três horas por dia, com início à mesma hora. As tardes são exclusivamente para a família.

"Ela está muito forte psicologicamente"

Tal como Jasmin Paris, Carlos Sá está habituado a correr centenas de quilómetros sem descanso. O ultramaratonista venceu, em 2013, a ultramaratona Badwater, na Califórnia, e soma várias outras medalhas em provas de longa resistência.

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Carlos Sá já venceu várias provas de longa distância NELSON GARRIDO / PUBLICO

"Na longa distância as mulheres equiparam-se aos homens. Como foi mãe há pouco tempo, deve estar muito forte psicologicamente e ter grande tolerância à dor”, afirma ao PÚBLICO o ultramaratonista barcelense. As alucinações experienciadas pela atleta nos derradeiros quilómetros não são, de todo, estranhos para Carlos Sá: “Sim, já passei por isso. O ano passado fiz uma prova nos Alpes, foram quatro noites seguidas sem dormir. Chegamos a um ponto em que precisamos de fazer o reset”.

Para Carlos Sá, a componente psicológica é a mais importante, acrescentando que o contacto com a família pode ser a injecção necessária para uma vitória final: “Ninguém treina para correr 300kms. Temos de ultrapassar todas as condições psicológicas. Apesar de estarmos demasiado focados no nosso objectivo, é uma ajuda enorme quando conseguirmos falar com a família”, completa o corredor.

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