Ser pestilento

Não me consola nada estar rodeado por outros pestilentos, com tosses mais convulsas e atormentadas. Mal por mal, prefiro a minha pestilência às alheias.

Constipado me confesso. É triste ser-se pestilento. Ao almoço estou habituado a tirar garfadas de salada conforme me vai apetecendo. “Não pode ser”, dita a Maria João. Agora tenho de decidir quanta salada é que quero e espetar com ela toda no prato.

Já ninguém aceita nada que tenha estado na minha boca, incluindo a minha boca. Nas esplanadas ouvem-me tossir e, em jeito de onda mexicana, giram e chiam todas as cadeiras ao mesmo tempo, para ficarem de costas para mim.

As crianças levam guinadas dos pais, para se afastarem do meu caminho. A pestilência paga-se cara. Contamina a confiança. Já não me lembro de não ser pestilento.

Não me consola nada estar rodeado por outros pestilentos, com tosses mais convulsas e atormentadas. Mal por mal, prefiro a minha pestilência às alheias.

Tinha eu nove anos e estava no consultório do sábio e bondoso Juvenal Esteves, quando a minha mãe me fez sinal para não usar a toalha para secar as mãos.

Por azar o grande dermatologista reparou e, sempre cortês, assegurou-nos que a toalha estava limpa. Mas a minha mãe era bacteriofóbica e, querendo deitar água na fervura, explicou: “It's not you, it's your patients!

O princípio pestilencial da minha mãe era “you never know where it's been”. Nunca quis elucidar. Em criança queríamos mais pormenores. Fosse o que fosse o que sugeríssemos – o pipi, o rabo –, ela respondia sempre: “Or worse!

Outra coisa que dizia era: “Podes lavar as mãos as vezes que quiseres, mas não podes fazer com que os outros lavem as mãos.” Maldita peste.

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