A luz ardente

A nostalgia sai sempre cara e lutar contra o tempo cada vez requer mais energia. Mas a luz fria da realidade – e das lâmpadas eficientes – é sempre mais fria do que a memória.

Lamento dizer que sou daqueles que compram lâmpadas incandescentes na candonga. A pessoa que mas vende avisa sempre que são as últimas, que já não sabe onde procurar.

Toda a gente sabe que as lâmpadas incandescentes são um abominável desperdício de energia: só 5% fazem luz. Os outros 95% fazem calor. Mas esse calor é importante, pelo menos no Inverno. Já criei quatro patinhos de casino (fica para outra altura) com lâmpadas de 120 watts. Nunca tiveram frio.

É o calor que torna bonita a luz de uma lâmpada de tungsténio. À noite, quando era pequenino, imaginava que as luzes que ficavam acesas lá em casa eram como tochas a arder num castelo, que era onde eu fantasiava viver.

Ou saía do meu quarto às escuras e ia espreitar, lá ao fundo, os meus pais e os convidados a falar, a rir, a beber, com as lâmpadas todas acesas e música a tocar baixinho “because of the children”.

Nessa altura o policiamento das luzes acesas era severo. O meu pai gostava de desfilar pela casa a apagar luzes que não iluminavam vivalma, jurando que quando crescêssemos havíamos de descobrir que money doesn’t grow on trees.

Agora sou eu que desempenha esse papel, mas nunca consegui libertar-me da ideia que as lâmpadas acesas são um luxo, iluminadoras da boa vida, que as pessoas se deitam às horas que querem, indiferentes ao pôr ou ao nascer do sol.

A nostalgia sai sempre cara e lutar contra o tempo cada vez requer mais energia. Mas a luz fria da realidade — e das lâmpadas eficientes — é sempre mais fria do que a memória.

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