Abençoados aumentos dos lucros e amaldiçoados aumentos dos salários

Há os de cima e os de baixo. Os de cima podem ter lucros fabulosos, os de baixo têm de suportar esses lucros fabulosos… e amouchar. Só que os de cima são mesmo poucos, os de baixo são quase todos.

O que se está a passar em Portugal a propósito das greves dá que meditar. O que pedem os grevistas? Em geral aumentos e maior dignificação no seu trabalho.

Como se sabe, os salários estiveram congelados desde Sócrates até à chegada do governo de António Costa com apoio parlamentar do PCP, BE, PEV, e PAN. Congelada esteve também a progressão na carreira nalgumas profissões do sector público. Também, por isso, os sindicatos reclamam aumentos. São estes profissionais que são obrigados a enveredar por formas de luta extremas.

Em contraste, repare-se que o anúncio trimestral/semestral dos aumentos dos lucros dos bancos é apresentado como um facto quase sublime. Quanto maiores forem os aumentos dos lucros, maior é a bênção. Centenas de milhões de euros de lucros são impactantes. A pompa da circunstância faz esquecer tudo, o que vale é grandeza dos aumentos dos lucros, os quais assentam, muitas vezes, em despedimentos, cortes salariais, comissões e mais comissões para quem deposita os seus rendimentos…

Há, nesta nossa fase da vida social, uma espécie de um critério dúplice que serve para castigar os de baixo e para glorificar os de cima. O PSD através de alguns dos seus dirigentes reaparecem a defender a austeridade e a continuação do empobrecimento.

Um polícia que não tem rendimento para alugar um quarto em Lisboa ou no Porto e dorme no carro não pode reclamar aumentos para não complicar as imposições de Bruxelas.

Os trabalhadores (sem os quais não haveria aumento de lucros) são uns ingratos por não aceitarem aumentos na casa dos 80 cêntimos diários; ou reclamarem trinta e cinco horas; ou quererem progredir na carreira; ou que o tempo que trabalharam conte (como não pode deixar de ser) para a reforma; ou que os estivadores não queiram trabalhar à jorna, como há setenta anos…

Os que fazem greve são antipatriotas, mas os grandes patrões que ameaçam deslocalizarem as fábricas são patriotas… Os cortes no SNS que levaram para fora do país enfermeiros e médicos, quantos portugueses mataram? Como se fazem essas contas? O desinvestimento no SNS quantos cidadãos mata? A direita aplaude porque quanto maior for o desinvestimento no SNS mais avança a privatização dos serviços de saúde…

Quem está disponível para esperar trinta minutos ou mais ao telefone para que o atendam para tratar da marcação de uma consulta no Hospital de Santa Maria para informar que não pode ir àquela consulta naquela data?… e assim dar a vez a outro.

Se o aumento de um euro por dia desestabiliza a economia, por que motivo as centenas de milhões de lucros para os quais contribuíram a força de trabalho empregada não deve ser taxada de modo a que na redistribuição dos rendimentos a sociedade no seu conjunto possa beneficiar de melhores serviços? Se um euro é uma espécie de enormidade, por que motivo a ameaça de fugir com os lucros para outros países não é uma pressão gigantesca?           

Os que mais se insurgem contra os que reclamam aumentos salariais são exatamente aqueles que na sua vertigem pelo lucro deixaram o país e a Europa numa crise profunda. Aliás são os de baixo que estão a pagar o destrambelho dos banqueiros.

Os bancos que se vangloriam dos aumentos dos seus lucros e pagam a preço de oiro os seus gestores são os mesmos que agitam espantalhos e demónios contra os seus empregados que pretendem, por via do seu contributo, ver aumentados os seus vencimentos, num país em que um quarto da população vive em pobreza.

Parece que a crise provocada pelos banqueiros e pelo sistema financeiro, incluindo por aqueles que garantiram que o BES, BPN, BP estavam firmes, são patriotas e beneméritos como comprovam as suas condecorações, e os de baixo, esmifrados pelas medidas anticrise, são o demónio.

Reclamar mais uns tantos euros por mês para que antes do dia vinte de cada mês não falte salário devia ser reconhecido como perfeitamente natural e humano.

É verdade que este governo parou o empobrecimento desvairado de Passos Coelho… Quantas mortes não terão acontecido em Portugal devido a essa austeridade como castigo dos portugueses, obrigando-os a entregar aos bancos mais de vinte mil milhões de euros… O que se podia fazer com esse montante?

Há os de cima e os de baixo. Os de cima podem ter lucros fabulosos, os de baixo têm de suportar esses lucros fabulosos… e amouchar. Só que os de cima são mesmo poucos, os de baixo são quase todos.

Sugerir correcção
Comentar