Falta de conhecimento e uma questão de equidade

A falta de conhecimento técnico pela classe política pode originar problemas graves de saúde pública no curto e médio prazo, simplesmente porque a equidade desejada e necessária na decisão de escolha das vacinas contra o meningococo, foi esquecida

Vivemos num tempo cheio de perplexidades e contradições onde a globalização, o excesso de informação e a desinformação podem tornar as relações humanas mais superficiais, onde a solidão efetiva pode ser uma realidade neste mundo cada vez mais virtual. Torna-se, por isso, essencial despertar para cuidar com compaixão dos que podem ser vítimas deste risco potencial de vazio social. Eticamente é necessária a disponibilidade para acolher, ouvir, entender, discernir e ponderar para decidir e agir bem no momento exato.

A Pediatria é por definição a medicina da prevenção e no que se refere a doenças infeciosas, cabe ao Pediatra o papel central de informar as famílias das vantagens em vacinar não só para aquisição de proteção individual, mas também para proteger quem não foi e ou não pode ser vacinado. O exemplo do nosso Programa Nacional de Vacinação (PNV) universal e dinâmico, para quem está no país independentemente de residir ou não, é um modelo de sucesso que nos coloca no patamar mais elevado da excelência científica no que à prevenção se refere. O trabalho exemplar da Direção-Geral da Saúde (DGS) bem como das suas comissões de avaliação em propor novas vacinas para o PNV tem merecido da comunidade clínica nacional os mais rasgados elogios e que muito nos tem orgulhado ao longo das várias décadas de existência deste PNV.

A doença meningocócica é uma das mais temidas pela Pediatria, quer pelo impacto que tem individualmente na criança e família, quer pela brutalidade com que pode matar uma criança ou adolescente. Se excluirmos as lesões traumáticas, a doença invasiva meningocócica (DIM) (sépticemia e meningite) é a doença infeciosa que pode matar em 24 horas. Vivemos numa era onde existem vacinas disponíveis para os diferentes serogrupos da Neisseria Menigitidis ou meningococo, quer para o Grupo B, quer para os Grupos A, C, W-135 e Y. Apesar do serogrupo B ser atualmente em Portugal o mais frequente, existem casos confirmados de C, W-135 e Y.

Por outro lado, assistimos nos últimos dois anos a um aumento de casos de DIM para os Grupos W-135 e Y na Dinamarca, Reino Unido, Holanda e Espanha a vitimarem principalmente adolescentes e adultos jovens. É por esta ameaça latente para as nossas crianças e adolescentes que a maior parte dos Pediatras do país, onde eu me incluo, decidiram nos últimos anos propor, extra PNV, a cada família, quer a vacina para o serogrupo B, quer a vacina tetravalente para os grupos A, C, W-135 e Y. É do conhecimento geral da comunidade pediátrica nacional que as referidas comissões técnicas da DGS estavam a analisar criteriosamente e à luz do mais recente e fundamentado conhecimento científico, as referidas vacinas e a sua potencial inclusão no PNV. Ao sabermos que recentemente a Assembleia da República decide pela inclusão de várias vacinas no PNV, ultrapassando os peritos mais capazes e aptos para essa decisão, qual não é a minha perplexidade pelo esquecimento dos políticos da vacina tetravalente para os serogrupos A, C, W-135 e Y do meningococo.

Esta falta de conhecimento técnico pela classe política pode originar problemas graves de saúde pública no curto e médio prazo, simplesmente porque a equidade desejada e necessária na decisão de escolha das vacinas contra o meningococo, foi esquecida pelos políticos e por isso o meu reparo escrito em tom de revolta em nome de quem nos fez ser Pediatras, as crianças.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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