Vacinas: carta aberta à diretora-geral de Saúde

Surpreendeu-me a sua posição ofendida sobre a aprovação, pelo parlamento, da integração das vacinas da meningite B, do rotavírus e do HPV para os rapazes no Plano Nacional de Vacinação.

Cara Dr.ª Graça Freitas: não a conheço pessoalmente, mas tenho, por si e pelos seus antecessores, o maior respeito. Parecem-me pessoas altamente competentes, sérias, com excelente poder de comunicação e de argumentação, articulando pedagogia com apurado sentido de serviço público. Contudo, surpreendeu-me sobremaneira a sua posição ofendida sobre a aprovação, pelo parlamento, da integração das vacinas da meningite B, do rotavírus e do HPV para os rapazes no Plano Nacional de Vacinação.

Sabe Dr.ª, tenho uma filha, com quase três anos, e o seu pediatra, um magnífico profissional com muitos anos de serviço nacional de saúde, respondeu à minha pergunta sobre se deveria ou não protege-la com essas vacinas tão caras: “João, eu vacinei as minhas duas filhas…”. Naturalmente, não precisou de acrescentar mais nada e despendi, sem arrependimento, centenas de euros. Mas eu tinha esse dinheiro e a maior parte dos pais portugueses não o tem.

Dada a recente polémica, procurei informar-me e descobri, sem surpresas, que a sociedade portuguesa de pediatria, através de um colégio prestigiado de infeciologistas, recomenda a inclusão destas vacinas. É verdade que os Rotavírus, num país avançado como o nosso em cuidados de saúde, dificilmente matam, mas provocam diarreias agudas que exigem longos e dispendiosos internamentos e - critério mais importante e menos utilitarista -  acarretam enorme sofrimento às crianças e famílias. Quanto à Meningite B, como sabe, atinge cerca de 30 crianças por ano e mata. Quanto vale, sª Dr.ª a vida de uma criança? Pois é, não tem preço. E como é irracional e injusto que a desigualdade mate…Finalmente, o HPV é uma doença biunívoca, que passa de rapazes para raparigas e vice-versa. Aliás, a decisão de vacinar as meninas alicerça-se em estudos sobre a doença em rapazes. Diga-me um argumento válido para não incluir esta vacina.

Alguns países, mais avançados, incluem mesmo nos seus planos a vacina da Hepatite A e da Varicela. Conhece melhor do que eu a necessidade de obtermos não só uma proteção individual, mas também grupal. O que se passa hoje com os surtos de sarampo mostra bem a importância dessas duas proteções.

Senhora Dr.ª: nada tenho contra os peritos. Eu próprio sou, no meu domínio, a Sociologia, amiúde convidado para monitorizar e avaliar a conceção e execução de políticas públicas. Mas não queiram os peritos invocar uma sacrossanta autoridade quando, eles próprios, estão também expostos a fatores que contaminam a sua imaculada neutralidade. A Senhora insinuou, sem ter a coragem de os identificar, o que me pareceu torpe, pressões da indústria farmacêutica, mas em momento algum se referiu à sua condição de funcionária superior de um Governo, do qual é Diretora-Geral de saúde e que, por razões economicistas, não quer incluir estas vacinas! Relembro o aviso do filósofo e sociólogo Jürgen Habermas: não queira o “mundo do sistema” (pleno de regras, instituições, burocracias e normas) colonizar o “mundo da vida”, onde se expressam e comunicam as pessoas no quotidiano; não seja ele imune às necessidades e anseios das pessoas.

Creio, Dr.ª Graça, que devemos caminhar, cada vez mais, para políticas sociais, incluindo as de saúde, de cariz universal, sem criar guetos estigmatizantes de “beneficiários” e “assistidos” e isso só se consegue generalizando os apoios e não sujeitando-os à lógica da urgência e dos mínimos sociais. Não há nada mais importante, acredite, do que a dignidade de cada um e cada uma ao sentir-se integrado de pleno direito e não por favor de outrem.

Uma última questão: se tem netos (ou se não tem, imaginando tê-los) vaciná-los-ia? Agradeço o seu tempo e espero uma resposta.

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