Militares destacados estão mais dependentes dos jogos do que do álcool

Inquéritos a militares portugueses destacados no exterior mostram que 8,3% apresentam consumos de risco relacionados com o álcool. Taxa de fumadores é quase o dobro da registada na população em geral.

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Nuno Ferreira Santos

O aumento do uso da tecnologia pode estar a substituir eventuais dependências alcoólicas entre os militares portugueses destacados em missões no exterior, indicou à Lusa a primeiro-tenente médico-naval Diana Terra, autora de um estudo inédito sobre o consumo do álcool nas Forças Nacionais Destacadas.

“O que parece haver em relação a dependências e, tomando em conta a idade jovem dos actuais militares em missão, é a dependência da electrónica – dos jogos – do que propriamente a relação com o álcool”, frisou. “Trata-se de forças especiais, têm respeito pelo corpo e pela boa forma física e acham menos problemático outro escape, porque o álcool era muitas vezes utilizado como escape. Hoje em dia vêem como escape a electrónica, incluindo os jogos. O que estamos a assistir é a uma mudança de paradigma da forma como a nossa juventude, que integra as nossas fileiras, faz a gestão do próprio stress”, referiu.

A primeiro-tenente explicou que a ideia do estudo partiu da constatação de que “as pessoas têm a ideia de que o consumo de álcool nas Forças Armadas é elevado. É uma ideia preconcebida. O que os estudos da década de 1990 mostraram junto dos nossos aliados – Reino Unido e Estados Unidos – é a de que tinha aumentado o consumo do álcool em pessoas que estiveram destacadas e em missões de combate”. Como nas Forças Armadas portuguesas este assunto não estava descrito, “o objectivo inicial foi perceber até que ponto era um problema, para nós podermos ou não intervir”.

Na investigação foi utilizada a escala Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT) da Organização Mundial de Saúde sobre o consumo de álcool e foi detectado que o consumo de risco, consumo nocivo e provável dependência corresponde a 8,3% (do total dos 398 inquiridos) com critérios do mesmo índice.

O universo do estudo foi a população militar no activo que participou em missões nos últimos dois anos (2015-2017): KFOR (Kosovo), Iraque, Saara Express (Missão da Marinha em África), Minusma (missão da Força Aérea no Mali) e Operation Sea Guardian, uma missão da NATO que integrou a Marinha Portuguesa.

Factores de risco

Os inquéritos anónimos foram voluntários e aprovados pela Comissão de Ética da Escola Nacional de Saúde Pública e, entre outros aspectos, indicam que os solteiros consomem mais álcool do que os casados e aqueles que têm menos escolaridade têm tendência a consumir mais álcool.

O consumo de substâncias ilícitas “é baixo” (27 militares), verificando-se “alguma prevalência” de patologia psiquiátrica – uma taxa significativa (ansiedade e depressão) –, mas que, segundo Diana Terra, se enquadra nos níveis correspondentes à idade e ao género.

Entre os factores que fazem aumentar o consumo de álcool encontram-se “temer pela própria vida”, missões de apoio a feridos e o consumo de tabaco: “O tabagismo está associado ao consumo de álcool. Um dos factores preocupantes que encontramos é que temos uma taxa de fumadores que corresponde quase ao dobro da população em geral. Muito elevada comparativamente aos dados da Direcção-Geral da Saúde.”

“As pessoas que fumam têm uma probabilidade duas vezes superiores às restantes de ter uma perturbação de consumo de álcool, assim como as pessoas que temeram pela própria vida e as que prestaram apoio a feridos foram identificados como critérios para o aumento do consumo de álcool”, frisou Diana Terra.

O estudo concluiu que a Marinha lidou mais com cadáveres, sobretudo nas missões no Mediterrâneo em que os militares estão muito mais expostos à sua recolha. O Exército teve mais exposição a zonas de teatro com minas de guerra e situações hostis com civis e na Força Aérea houve mais contacto com feridos em combate porque os militares prestaram apoio a evacuações e cuidados médicos.

Relativamente ao consumo do álcool, nota-se que a presença perante terrenos com minas terrestres provoca um estado de alerta, o que “parece ter um efeito protector”, disse a investigadora, referindo que é necessário elaborar novos estudos nos próximos anos.

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