Da existência à representação e à participação

Será em 2018 que aprofundamos a democracia em Portugal? Já é mais do que tempo.

Imaginem a Europa com 62% de homens e 38% de mulheres e Portugal, ou uma das nossas cidades, com 67% de homens e 33% de mulheres. Se nos é inconcebível tal cenário demográfico, porque o perpetuamos na representação democrática?

O défice democrático da sub-representação das mulheres compromete a legitimidade do ideal democrático contemporâneo. A democracia paritária e a promoção das mulheres nos cargos de decisão são, portanto, matérias legítimas de preocupação. A democracia paritária implica a representação igual de mulheres e de homens nos cargos de decisão e dá um passo além das quotas, pois baseia-se na ideia de que as mulheres não são uma minoria, mas sim mais de metade da população.

A 2 de novembro assinalou-se em conferência internacional na Grécia os 26 anos da Declaração de Atenas, assinada por 20 mulheres líderes políticas à época, entre as quais Edith Cresson, primeira-ministra de França, Simone Veil, presidente do Parlamento Europeu, Miet Smet, ministra belga do Emprego, Hedy d'Ancona, ministra da Cultura da Holanda, e Leonor Beleza, então vice-presidente da Assembleia da República.

Ali se assumiu um compromisso com a democracia paritária, conceito que faz parte da nossa memória coletiva, pois foi Maria de Lourdes Pintasilgo – a única primeira-ministra em Portugal – quem presidiu ao grupo de especialistas do Conselho da Europa (1996) que o viria a definir como “a integração completa das mulheres em pé de igualdade com os homens em todos os níveis e em todas as áreas do funcionamento de uma sociedade democrática, por meio de estratégias multidisciplinares”.

O relatório daquele grupo afirmava que “nenhuma democracia verdadeira é possível na Europa se não se considerar a igualdade entre as mulheres e os homens como um dos elementos constitutivos do sistema político, da mesma forma que o sufrágio universal, a separação dos poderes e a responsabilidade do Governo. Uma democracia verdadeira é por isso, necessariamente, uma democracia 'paritária', que integra não só a metade da humanidade, mas toda a humanidade, e consequentemente cada um dos membros da comunidade”.

Após 26 anos, é dececionante verificar a atualidade da declaração de Atenas face à lentidão da evolução e aprofundamento democrático em direção à paridade. Basta observar as reações dos partidos políticos às alterações propostas à Lei da Paridade em discussão na Assembleia da República. A lei atual não atinge sequer o chamado limiar de paridade de representação de 40%, tal como definido pelo Conselho da Europa, no âmbito da Recomendação REC (2003) 3 do Comité de Ministros sobre a participação equilibrada das mulheres e dos homens na tomada de decisão política e pública, elaborada por um grupo de especialistas presidido por outra portuguesa, Isabel Romão.

Em 2015, o Comité da Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres das Nações Unidas manifestou preocupação com a situação de Portugal, urgindo o país “(...) a aumentar a representação das mulheres na vida política através da alteração da sua Lei da Paridade, por forma a alcançar 50% de representação de ambos os sexos em todas as assembleias legislativas aos níveis europeu, nacional e local”. O comité recomendava também o reforço da penalização em caso de incumprimento da lei, prevendo, por exemplo, a nulidade automática dessas listas.

Este ano, a 11 de outubro, 32 organizações e 194 indivíduos enviaram uma carta aberta a deputadas/os a exigir alterações na lei, porque só um sistema político equilibrado entre mulheres e homens, corrigindo obstáculos e eliminando barreiras no acesso à tomada de decisão política, corresponde verdadeiramente a uma democracia representativa e permitirá às mulheres portuguesas tomarem parte nas decisões que a elas (também) dizem respeito. Será em 2018 que aprofundamos a democracia em Portugal? Já é mais do que tempo.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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