E se, ao pedires um café, contribuíres para que cresçam cogumelos?

Natan Jacquemin trocou a Bélgica por Portugal para estudar. Acabou por ficar e descobriu que das borras do café se pode fazer crescer cogumelos. Do desperdício dos outros, o jovem cria valor. A NÃM é a materialização do seu projecto de economia circular.

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Os cogumelos pleurotus demoram duas a três semanas a crescer Daniel Rocha
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A empresa está ainda em fase piloto Daniel Rocha
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Quando os cogumelos começam a crescer, as borras ficam brancas e os cogumelos emergem dos sacos Daniel Rocha
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A sala onde se dá frutificação precisa de muita humidade, luz e ar fresco Daniel Rocha
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Natan contra produzir 100 a 200 quilos de cogumelos por mês Daniel Rocha
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Juntar palha à mistura desemente e café ajuda ao crescimento dos cogumelos Daniel Rocha

Natan Jacquemin, de 23 anos, chegou a Lisboa para estudar gestão, mas cedo se desencantou com as perspectivas profissionais que a área tinha para lhe oferecer. Não queria trabalhar no escritório de uma consultora e fazer dinheiro para uma empresa com a qual não teria ligação. A sua preocupação, ao terminar os estudos, foi, então, encontrar um modelo económico que gerasse valor através da natureza. “Dinheiro é um meio para chegar a um fim”, garante. E foi assim que surgiu a NÃM, uma empresa de economia circular, que reaproveita borras de café de vários restaurantes e cafetarias de Lisboa para, depois, plantar cogumelos e gerar valor económico a partir deles. Sempre com uma preocupação social.

As estruturas em madeira, cobertas por lonas de plástico negro, servem como estufas improvisadas para todo o processo de incubação que é feito no rés-do-chão de uma loja junto ao Largo do Intendente. Porquê utilizar borras de café como substrato para fazer crescer cogumelos? Natan depressa aponta os principais motivos, em conversa com o P3.

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Natan Jacquemin, de 23 anos, é belga e estudou gestão Daniel Rocha

Primeiro, “porque é um desperdício enorme e, só em Lisboa, se consomem entre 10 a 15 mil toneladas de café por ano”. E, depois, porque as borras que sobram do café têm propriedades óptimas para o crescimento desses fungos. “A água que corre ao fazer o café é quente e, assim, esteriliza as borras. Os cogumelos precisam de matéria muito limpa e que tenha fibras. O café tem fibras e é limpo”, resume.

Quando se tira um café, diz Natan, “só se usa 2% do total da sua biomassa". "Os restantes 98% são desperdício.” O belga recolhe as borras em cafés e restaurantes lisboetas e mistura-as com sementes de cogumelos. Quando elas crescem, vende os cogumelos da espécie pleurotus aos proprietários dos mesmos estabelecimentos onde recolheu as sobras. “Utilizo o desperdício dos comerciantes para produzir uma coisa de que eles necessitam e, depois, obtenho lucro dessa transacção.”

O desperdício gerado durante o processo é utilizado como fertilizante natural para o cultivo de legumes e outros vegetais. Natan dá o resultado da mistura das borras com as sementes a agricultores urbanos. “Assim, o meu desperdício também serve para criar valor e provar que é possível fazê-lo de uma outra maneira”, diz.

A agricultura urbana é, precisamente, um dos focos da empresa. Ao comprar-se um produto numa superfície comercial, por norma esse alimento percorre 15 mil quilómetros até lá chegar. O grande objectivo da agricultura urbana é reduzir essa distância e tornar a produção mais sustentável.

Natan considera que é difícil fazer coisas boas para o ambiente seguindo um modelo capitalista. É necessário, na sua opinião, “encontrar um novo modelo de criação de valor económico”. Gunter Pauli, criador do termo Blue Economy e seu conterrâneo, inspirou Natan a construir a sua empresa. Este conceito advoga um modelo económico em que o bem-estar do ser humano é preservado, bem como o da sociedade, o que reduz significativamente os riscos ambientais e a escassez ecológica, recorrendo aos recursos que o oceano produz. O modelo tem uma especial preocupação com a protecção das várias formas de vida e com a produção moderada de carbono.

Passo a passo

O processo é relativamente simples e Natan está ainda numa fase de experimentação, responsável por todo o trabalho (alguns amigos ajudam sempre que precisa). Um investidor francês que comprou o prédio onde Natan se instalou disponibilizou-lhe o espaço durante um ano, até que o negócio cresça e consiga provar que este modelo funciona.

As estacas em madeira delimitam três salas improvisadas onde se inicia o processo desde o primeiro passo. Numa delas, Natan mistura as borras de café com as sementes e coloca-as em sacos. Deixa-as aí entre três a quatro semanas e é então que se dá a fase de incubação.

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As borras são usadas para plantar cogumelos e depois são utilizadas como fertilizante Daniel Rocha

Noutra sala, mais esbranquiçada e embrumada por um humidificador, os sacos repousam também por duas a três semanas, em contacto com a luz e o ar, até que os cogumelos começam a crescer para fora dos sacos. E, assim, ocorre o processo de frutificação. Depois é só cortá-los e levá-los às lojas dos comerciantes.

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Natan aprendeu a fazer as misturas na Bélgica Daniel Rocha

Quando acertar alguns pormenores logísticos, o jovem conta produzir entre 100 e 200 quilos por mês. E, apesar do público-alvo serem os proprietários de restaurantes e cafés, também vende para pessoas que tenham interesse em ter um papel activo na sustentabilidade do planeta.

O negócio, criado por Natan em Julho, gera valor económico mas não encontra no dinheiro o seu propósito máximo. É um meio para um fim, com o objectivo de que se possa usar o poder do capitalismo para concretizar “algo bom”, garante. Outubro assinala o mês em que, pela primeira vez, colheu os cogumelos numa quantidade próxima da que pretende alcançar. Daqui para a frente é ir passando na Rua dos Anjos e ter a sorte de ser dia de colheita de uma nova leva de pleurotus.

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