Em Itália, das borras de café nascem cogumelos. E isso é bom para o planeta

Travar os efeitos do consumismo desenfreado e diminuir a pegada ecológica: a inovação mais urgente pode ser tão simples como aquela que redefine uma nova utilização para um produto em fim de ciclo. Essa é a economia circular, o tema mais popular da Maker Faire, uma feira tecnológica internacional que decorre este fim-de-semana em Roma.

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Todas as manhãs, Alberto Bocca vai a sete estabelecimentos para recolher as borras que restam dos cafés servidos. São-lhe cedidas sem qualquer custo e os quilos diariamente recolhidos marcam o início do ciclo de produção da Funghi Express. Bocca começou a trabalhar na empresa há um ano, e é ele que nos guia por uma rota de agricultura circular que inspira a utilização das borras de café e a sua transformação em cogumelos.

Regressa diariamente do seu périplo matinal com uma média de 90 quilos de borras de café. Enquanto nos explica o processo de aproveitamento dos resíduos de café, vai convidando os mais curiosos que visitam a Maker Faire Roma (uma feira de tecnologia e inovação que o PÚBLICO está a acompanhar em Itália) a experimentar cogumelos desidratados. O convite gera curiosidade, mas ainda são poucos os que têm coragem de o aceitar. Ainda que a ideia procure responder à economia de consumo italiana.

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Anualmente, os italianos produzem 300 mil toneladas de borras de café. Reaproveitá-las é entender o potencial deste recurso e reduzir o desperdício: a filosofia da economia circular. Sabendo que, para beber café, utilizamos apenas 0,2% das substâncias e as restantes 99,8% permanecem nas borras, Antonio di Giovanni e Vincenzo Sangiovanni olharam para os minerais e nutrientes que o café moído guarda e aproveitaram-no para o cultivo de cogumelos.

Para a produção dos cogumelos são usadas as borras de café, mas também os restos do processo de torra dos grãos de café. Por cada dez quilos de café moído nasce um quilo de cogumelos.

Do café ao cogumelo

A transformação fica completa no espaço de 20 a 30 dias. Depois de aberta a embalagem que conserva o fungo criado pela Funghi Espresso, o desenvolvimento dos cogumelos é rápido. Cada kit produz entre duas a três porções: a primeira ao final de dez dias e as outras duas (menos abundantes) nascem com uma distância de 15 dias da segunda porção em relação à terceira.

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Além dos cogumelos frescos, a empresa aposta também na venda de cogumelos desidratados, uma vez que a validade do consumo dos produtos é maior. “Depois de prontos para a sua colheita, os cogumelos têm uma validade muito curta. Devem ser recolhidos entre quatro a cinco dias depois de rebentarem. É por isso que temos também estes cogumelos, naturais ou com manteiga de amendoim, nesta versão seca”, exibe Bocca, enquanto mergulha uma colher entre pedaços de cogumelos desidratados com tons de mel.

Mas o reaproveitamento não termina aqui. Do resto do fungo que produziu os cogumelos, parte-se para um processo de compostagem, que pode ser feito individualmente por cada comprador. Na empresa, esse processo traduz-se na criação de fertilizante. “Chegamos a encontrar tantas minhocas no meio na compostagem que encontrámos uma forma de aproveitar o ciclo delas também integrado num outro projecto. As minhocas que usamos na compostagem, por crescerem tão rapidamente, servem de alimento a peixes”, acrescenta o representante da marca na exibição.

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Esta ecologia sustentável é a base de inspiração dos muitos projectos aos quais a sexta edição da Maker Faire em Roma, Itália. Naquela que é a segunda maior versão do evento (a maior acontece nos Estados Unidos), o foco deste ano é a economia circular.

É com esse pretexto que a nota de arranque do dia é feita ao som dos instrumentos reciclados banda Gaudats. O baterista bate confiante numa embalagem de detergente de roupa e na sala ninguém se atreve a dizer que o som é menor do que o produzido por qualquer tambor de madeira ou metal tradicional. A lógica repete-se para todos os instrumentos musicais e no palco a diversidade e excentricidade dos instrumentos divide atenções com a harmonia que é possível retirar dos objectos do quotidiano. 

A preocupação dos criadores é “encontrar uma nova forma de imaginar o produto com base na nova tecnologia”, explica um dos “makers”, Amleto Picerno, “e dar-lhes uma novo ciclo”.

O conceito de economia circular assenta no potencial do objecto, não enquanto um produto descartável que chega inevitavelmente a um fim de ciclo, mas como ponto de partida ou matéria-prima para um novo produto. Assim, um produto visto como gasto ou obsoleto pode ser novamente introduzido no mercado para dar início a um novo ciclo, diferente ou não do seu papel original.

É com essa inspiração que encontramos um grupo de duas estudantes universitárias, Valeria Bertaccini e Roberta Guadalupi. Em cima da mesa têm uma máquina “metade mecânica, metade manual” que recicla papel a uma escala doméstica. Com as medidas certas, demonstra Valeria Bertaccini, qualquer pessoa pode reutilizar o papel que tem em casa, diminuindo assim a sua pegada ecológica. Basta para isso misturar 750 miligramas de água em cada 50 gramas de papel. A máquina tratará do resto.

O PÚBLICO viajou a convite do Ministério da Economia de Itália e da Câmara de Comércio de Roma

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