Brasil, o que será que acontece?

O que leva a maioria da população brasileira a ter a intenção de eleger um candidato com um discurso tão radical de extrema-direita e que muitos temem vir a ser um perigo para as instituições democráticas brasileiras?

Nos anos 70 Pelé, o maior jogador de futebol de todos os tempos, fez alguns comentários sobre como os brasileiros votavam. Até hoje ele é atacado por esses comentários e lhe atribuem a frase "brasileiro não sabe votar". A julgar pelo que a imprensa e as televisões estrangeiras, em especial a portuguesa, divulgam a respeito das eleições brasileiras, parece estar havendo uma validação tardia à suposta frase do Pelé.

Como foi possível Jair Bolsonaro, um sujeito com ideias tão abomináveis, grosseiro, ter uma votação tão ampla no primeiro turno das eleições brasileiras? Vencer Eduardo Haddad, o ex-prefeito da maior cidade da América do Sul e ex-ministro da Educação, empurrado pelo carisma de um dos maiores líderes que o Brasil já teve; vencer outro ex-prefeito de uma capital brasileira, Ciro Gomes, ex-ministro, supostamente ex-pesquisador da Harvard University; derrotar fragorosamente Geraldo Alckimin, que governou o estado mais rico do Brasil quatro vezes e também Marina Silva, a terceira candidata mais votada nas últimas eleições presidenciais. Como é que uma pessoa como essa tem 70% de probabilidade de vencer o segundo turno e vir a ser o novo presidente? No Brasil quem tem mais votos na eleição governa, a não ser que seja destituído em um processo, constitucionalmente legítimo, pelos poderes legislativo e judiciário.

Entre as respostas possíveis a esse enigma dificilmente estará a que atribui pouco discernimento aos eleitores brasileiros. Em especial porque nas quatro últimas eleições presidenciais eles deram a vitória ao outro lado, o Partido dos Trabalhadores (PT). Aconteceu algo que os analistas internacionais — e mesmo alguns analistas brasileiros — não estão percebendo.

O Brasil é de fato um país difícil de ser interpretado. Tem uma população equivalente a Alemanha, França e Itália, somadas. O território tem mais de 80% da área de toda a União Europeia. Tem profundas diferenças sociais e culturais. O que acontece na zona sul do Rio de Janeiro não pode ser visto como a síntese do Brasil. Apesar dessa grande diferenciação os resultados do primeiro turno das eleições mostraram uma regularidade impressionante. No Rio de Janeiro, onde ocorreram tantas manifestações de artistas e intelectuais, Copacabana lotada, etc, tanto no Fora Temer como no Ele Não, o Bolsonaro teve uma votação recorde. Mesmo no Nordeste, onde o PT ganhou, ele venceu na maioria das capitais e nas grandes cidades. Comparando os municípios em que o PT ganhou com os que na ditadura militar era a ARENA (partido identificado com os militares) quem ganhava nota-se uma enorme correlação entre eles. É difícil acreditar em mudança ideológica tão radical e, infelizmente, a explicação parece ser as migalhas que uns e outros distribuíram para a pobreza e para os que eternamente dominam os pobres dessas cidades.

As pesquisas para o segundo turno das eleições (a ocorrer este domingo) apontam maioria de intenção de voto para Bolsonaro em quase todas as segmentações da população brasileira: por nível de renda, escolaridade, cor, sexo, etc. Ele só não tem essa maioria na região Nordeste, entre os que ganham até um salário mínimo de renda e entre os de menor escolaridade (até quatro anos de escolaridade). Esta última segmentação abala os que acreditam que o grande problema do Brasil é a falta de escolaridade.

O enigma se mantém. O que leva a maioria da população brasileira a ter a intenção de eleger um candidato com um discurso tão radical de extrema-direita e que muitos temem vir a ser um perigo para as instituições democráticas brasileiras?

Uma pista para o fenômeno pode ser encontrada na recente pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Percepções da Crise. A pesquisa compara a percepção dos brasileiros sobre questões de segurança e confiabilidade no sistema político com dados de outros 124 países a partir de 2010. Segundo essa pesquisa em 2017 os indicadores brasileiros estão entre os piores do mundo, só superados por países como o Afeganistão e a Bósnia-Herzegovina: 68% dos brasileiros tem medo de sair à noite nas suas vizinhanças; apenas 14% acreditam na lisura das eleições; 82% não confiam no Governo Federal; 86% desaprovam as lideranças políticas. A piora nesses indicadores acontece na passagem do primeiro para o segundo período de Governo de Dilma Rousseff e tem como ponto de inflexão 2013, ano das grandes manifestações de rua contra a deterioração dos serviços públicos.

Com esses resultados não surpreende que em todos os segmentos da população brasileira a palavra de ordem tenha sido: "Basta". Bolsonaro não parece ser o líder de um movimento, qualquer que seja ele, mas apenas o instrumento para uma virada de página.  A mídia internacional informaria melhor os seus leitores se procurasse entender esse processo com maior profundidade e deixando de lado categorias já meio arcaicas como conservadores x progressistas ou direita x esquerda.

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