Senhores polícias: ainda não chegámos ao Brasil

É bastante raro eu concordar com o ministro da Administração Interna, mas neste caso Eduardo Cabrita tem toda a razão.

Os três homens amarrados no parque de campismo de Gondomar podem ter espancado vários idosos, fugido do Tribunal de Instrução Criminal e serem os tipos mais beras da Península Ibérica – nada disso justifica a divulgação daquelas imagens, que tudo indica terem sido tiradas pela própria polícia (ou, pelo menos, com a sua conivência), e cuja relevância informativa é nula. É bastante raro eu concordar com o ministro da Administração Interna, mas neste caso Eduardo Cabrita tem toda a razão. A exibição das fotos é, de facto, absolutamente inaceitável. Eu compreendo que alguns sindicatos se queixem de que há uma certa esquerda em Portugal que tem de tal modo aversão à autoridade que passa a vida a criticar os polícias e a desculpar os ladrões. Só que, infelizmente, a própria polícia portuguesa põe-se demasiadas vezes a jeito, seja pelo seu corporativismo, seja por uma cultura muito antiga de encobrimento de asneiras graves, seja pela inacreditável resposta ao ministro dada pelo Sindicato Vertical de Carreiras da Polícia (SVCP).

O SVCP é um dos 16 (sim, são mesmo dezasseis) sindicatos da PSP, e segundo dados de Março deste ano é o sétimo maior, o que significa que está na primeira metade da tabela e não pode ser propriamente considerado irrelevante. Para mais, a sua sede é na Rua da Boavista, Porto, o que significa que há boas probabilidades de representar alguns dos polícias envolvidos na captura dos três foragidos, o que ainda agrava o caso. Colocar nas redes sociais imagens de idosos brutalmente espancados (as imagens eram fake e não representavam os agredidos, o que neste caso é mais um bem do que um mal), junto a uma foto de Eduardo Cabrita, com o comentário “Por favor, Sr. Ministro do MAI, Srs. da Amnistia Internacional, Sr.ª Câncio e todos os demais... indignem-se” é uma coisa tão inacreditável, com tal falta de senso, que convém informar o SVCP que ainda não chegámos ao Brasil. Felizmente, Portugal não tem a mesma cultura de exposição pública dos criminosos. Felizmente, a polícia portuguesa não tem a mesma brutalidade. Felizmente, Portugal também não tem a criminalidade do Brasil.

Infelizmente, parece haver por aí polícias portugueses a vibrar com o que se passa do outro lado do Atlântico. No início deste mês foi noticiada a possibilidade de a extrema-direita estar infiltrada na PSP, e eu pergunto-me se essa conclusão terá sido tirada por um daqueles grupos europeus que compõem relatórios a partir de queixinhas de associações de extrema-esquerda portuguesas, ou se haverá nisso algum fundo de verdade. Quando olho para aquele post da SVCP, estou tentado a optar pelo fundo de verdade. Uma das teses de Jair Bolsonaro que tem sido apreciada pelos seus apoiantes é a do “excludente da ilicitude” para os agentes da segurança pública. Nas palavras do futuro Presidente do Brasil: “Ele [o polícia] entra, resolve o problema. Se matar dez, 15 ou 20, com dez ou 30 tiros cada um, ele tem que ser condecorado e não processado.”

Talvez embalado por tão belas palavras, o SVCP – com a patética solidariedade de uma associação da GNR – desvalorizou a exibição de criminosos como troféus de caça, já que realmente indignos são os actos que eles cometeram. Não, não, não. Isto não é um Benfica-Porto, onde cada um tem de torcer por um lado. Indignas são as duas coisas. As agressões são indignas. Aquela exposição dos agressores também é indigna. Não é preciso escolher. Uma pessoa decente só pode desprezar as duas e recusar entrar no pingue-pongue das indignidades.

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