Trabalhadores já tinham denunciado Turismo do Porto há cinco anos

Arguido dos ecrãs Tomi tem patentes registadas desde 2012. Suspeitos poderão vir a alegar em sua defesa que mais ninguém podia oferecer o mesmo serviço.

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Manuel Roberto

As recentes detenções do presidente do Turismo do Porto e Norte, Melchior Moreira, e de outros dirigentes desta entidade não apanharam toda a gente de surpresa: no final de 2013 muitas autarquias da região que integram esta associação, na qual também estão representados agentes do sector, foram avisadas de que nem tudo estava a correr como devia nas lojas interactivas de turismo, que constituem neste momento um dos pólos da investigação desencadeada pelo Ministério Público.

Enviada por um grupo de trabalhadores receosos de perderem o emprego por Melchior Moreira não querer assumir o pagamento dos salários dos funcionários municipais que prestavam serviço nos postos de turismo, de repente transformados em coqueluches tecnológicas, a denúncia aludia a alegadas “mordomias e regalias” dos dirigentes desta organização. “Na criação das lojas de turismo Melchior Moreira impingiu às câmaras municipais um projecto de arquitectura sem abrir concurso, contratou o arquitecto que bem quis, e pagou um suposto valor muito exagerado por isso. Porque não falou com as câmaras, que têm arquitectos?”, questionava a missiva enviada por correio electrónico.

Este email pode ter sido a origem da chamada Operação Éter, no âmbito da qual foram detidas cinco pessoas esta quinta-feira – dois empresários a quem foram feitos dezenas de ajustes directos ao longo dos últimos anos pelo Turismo do Porto e duas dirigentes intermédias desta organização, além do seu presidente.

Financiado por fundos comunitários e por verbas do jogo, através do Turismo de Portugal, o projecto das lojas interactivas para turistas nasceu em 2012 e estendeu-se a dezenas de municípios de uma vasta área entre a fronteira com Espanha e o distrito de Coimbra. Chegou a receber prémios. Os equipamentos digitais que continham vinham sempre da mesma firma: a Tomi World, do empresário de Viseu José Simões Agostinho, que entretanto expandiu os seus ecrãs gigantes virtuais e interactivos para turistas a vários pontos do mundo. Pormenor: quer os chamados ecrãs Tomi, que são peças de mobiliário urbano das cidades, quer os equipamentos tecnológicos das lojas estão patenteados, no primeiro caso desde 2012. O que significa que quer o Turismo do Porto quer Simões Agostinho poderão vir a alegar que nenhuma entidade, pública ou privada, podia ter sondado o mercado para obter melhor preço em vez de ter feito ajustes directos ao empresário de Viseu, por causa dos seus direitos de exclusividade.

De qualquer forma, não foi isso que invocaram as dezenas de autarquias do Norte que lhe compraram as lojas interactivas sem concurso público. Como a maior parte dos contratos ficavam abaixo dos 75 mil euros, montante a partir do qual o concurso é obrigatório, prescindiram de auscultar o mercado e puseram-se nas mãos da Tomi World. Afinal, tinha sido esse o modelo escolhido pela Turismo do Porto. Nalguns casos os contratos poderão ter sido divididos em parcelas, para contornar este limite financeiro imposto por lei.

Apenas um ou outro município resolveu consultar outras empresas para lhe prestarem o serviço. Quatro delas – Fafe, Armamar, Arcos de Valdevez e Cinfães – enviaram convites a firmas que, tal como a Tomi, também pertencem a Simões Agostinho. O presidente da Câmara Municipal de Arcos de Valdevez, João Esteves, não sabe explicar a coincidência: “Os serviços camarários é que têm essa responsabilidade." Do lado de Cinfães a resposta também não ajuda a esclarecer o que se terá passado: “Foi endereçado convite a quatro entidades para apresentação de propostas, pese a legislação então em vigor permitir o ajuste directo com valor limite de 75 mil euros e convite apenas a uma entidade. Segundo informação dos serviços, os mesmos desconheciam quem ou quais os proprietários das empresas convidadas, recorrendo à escolha de entidades com experiência e serviços prestados na área de equipamento tecnológico."

O Governo manteve-se nesta sexta-feira em silêncio sobre o assunto, o mesmo tendo sucedido com a Agência para a Modernização Administrativa, que tem uma parceria com a Tomi. Os arguidos começaram a ser ouvidos no Tribunal de Instrução Criminal do Porto nesta sexta-feira, devendo os interrogatórios prolongar-se até este sábado. A Polícia Judiciária estima que o valor das contratações ilícitas possa ascender a mais de cinco milhões de euros.

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