Um Parlamento borboleta... e os trabalhos de Sísifo

É no tentar, no lutar e no perseverar que estão o dever e a honra cívicos dos representantes dos cidadãos.

Começa no Parlamento a discussão do Orçamento do Estado para 2019, entregue na segunda-feira às 23h50. Trata-se de um período de muito trabalho, discussões, votações e reuniões com vista a que o país possa dispor de um Orçamento ajustado aos seus desígnios.

Nesta rotina parlamentar, exigente, falta frequentemente tempo para o trabalho talvez mais nobre, como é o caso do agradável e necessário contacto com o eleitorado. Tempo, claro, que alguns entenderão mais bem aproveitado na procura de protagonismos, em entrevistas, tomadas de posição ou “achamentos” públicos sobre assuntos díspares, por vezes sem o mínimo de preparação para o efeito... Essa, felizmente, não é a regra. O Parlamento é um local onde a responsabilidade e o empenho de cada um são fundamentais. Para quem abraça a missão e quer apresentar resultados, há muito trabalho; sem prejuízo de haver quem, por não poder ou não querer, trabalhe menos. Para quem quer, garanto-vos, não falta trabalho e oportunidade de trabalhar. A atividade de um deputado desenvolve-se entre audições a entidades e cidadãos, reuniões de comissões, plenários, reuniões de grupo parlamentar, contacto com o eleitorado, bem como o muito necessário tempo de estudo prévio para assegurar um trabalho sólido de fiscalização do Governo e desenvolvimento de iniciativas legislativas fundamental em democracia. A verdade é que uma governação responsável é feita também nos detalhes e pelos detalhes e não apenas por ideias vagas e visões abstratas, de que este Governo é pródigo.

Porventura, a alguns estes trabalhos poderão parecer como os de Sísifo, perdendo eficácia quando, durante a noite, a pedra rola de novo pela montanha abaixo, invalidando o esforço despendido no dia anterior. Não devemos, no entanto, confundir a árvore com a floresta, nem tão-pouco, e nesta altura ainda menos, sucumbir a discursos populistas que visam apenas o descrédito do modelo de representação democrático que conquistámos. Se para Fernando Pessoa, através do seu heterónimo Álvaro de Campos, “Um orçamento é tão natural como uma árvore/ E um parlamento tão belo como uma borboleta”, devemos, todos, focarmo-nos em procurar demonstrar a beleza das instituições democráticas e participarmos, todos também, na sua defesa.

Mas se a atividade é intensa, no caso da maioria dos deputados que conheço, a dedicação e os resultados são também muito relevantes. Reconheço que gostava de ter encontrado uma Assembleia da República mais eficiente, mas também reconheço que em todos os grupos parlamentares há deputados que, diariamente, estão comprometidos com a vontade de um Parlamento que represente cada vez melhor os portugueses. Não tenho a pretensão de considerar o resultado global perfeito, mas sei que com a organização, o planeamento e a dedicação adequados se podem obter resultados visíveis, se a isso juntarmos a atitude certa. Garantimos assim que os cidadãos respeitem cada dia um pouco mais as instituições democráticas que os 230 deputados têm a obrigação de defender e preservar. Concluídos três quartos da legislatura, contamos com indicadores de atividade significativos (3209 iniciativas legislativas, 11.820 perguntas e 7411 requerimentos), embora conscientes de que nem todos corresponderão a medidas imediatas do impacto da ação parlamentar na vida das pessoas. Porventura, gostava de ver mais trabalho visível e que existissem menos casos em que as iniciativas meritórias que propomos são chumbadas por serem apresentadas por quem são e não em função do seu mérito. Mas posso garantir que existem muitos deputados, de todos os grupos parlamentares, a trabalhar de forma séria para representar o melhor possível os seus concidadãos, para que o Parlamento seja aquilo a que tão bem aspirou Sá Carneiro, ou seja, “a consciência política visível deste Povo, tornando-se num espelho fiel das necessidades e anseios, das suas dificuldades e esperanças e, ao mesmo tempo, estar no centro impulsionador da ação coletiva”. Acima de tudo, o que é esperado dos membros desse nobre órgão é que sejam responsáveis e conscientes do seu papel. A democracia faz-se nesse movimento energético que, por vezes e por inerência de um sistema que foi gerado para enaltecer o confronto de opiniões, pode ser contabilisticamente infrutífera. É no tentar, no lutar e no perseverar que estão o dever e a honra cívicos dos representantes dos cidadãos. 

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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