Uma vaga mais forte deixou os pescadores do Mestre Silva entregues a si próprios

Barco de pesca registado na Póvoa de Varzim que naufragou nesta segunda-feira de manhã tinha a bordo cinco homens. O mestre foi resgatado com vida e outro pescador foi encontrado já morto.

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A embarcação Mestre Silva estava registada na Póvoa de Varzim Lara Jacinto

A morte chegou ao nascer do Sol. Inesperada. Uma vaga mais alterosa terá virado o Mestre Silva, afundando a embarcação da Póvoa de Varzim que pescava a sul de Espinho, ali ao largo de Esmoriz, e arrastando para a água os cinco homens que seguiam a bordo. Horas depois, o mestre Rafael Silva, de 54 anos, foi recolhido com vida, agarrado a destroços, e no Hospital da Feira, para onde foi levado, perguntava pela tripulação. Um dos seus companheiros foi encontrado sem vida. Os outros três ainda estavam desaparecidos ao final da tarde desta segunda-feira.

O acidente terá acontecido pelas oito da manhã, a 12 milhas (20 quilómetros) da costa. Nesse momento, um dos meios de sinalização existentes a bordo enviou um sinal, ao contacto com a água, o que colocou de prontidão a capitania do Porto de Leixões, que accionou os recursos do Instituto de Socorros a Náufragos e contactou o presidente da Associação Pró-Maior Segurança dos Homens do Mar. José Festas confirmou, junto da esposa do mestre e armador, que este tinha ligado para casa pelas sete e meia.

O que aconteceu nesse intervalo de tempo só o mestre — que depois de recolhido e transportado para terra foi internado, com hipotermia, no Hospital da Feira — poderá explicar. Rafael Silva, natural de Caxinas, Vila do Conde, já prestou declarações à Polícia Marítima, e a José Festas explicou que o trabalho corria normalmente, quando o barco foi atingido por uma vaga mais forte. Não houve tempo para accionar manualmente a balsa salva-vidas existente a bordo, e embora esta seja activada automaticamente, quando entra na água, desconhece-se se algum dos restantes três pescadores estava em condições de a usar.

As buscas decorreram durante todo o dia, no mar e pelo ar. E, segundo o porta-voz da Autoridade Marítima, Fernando Fonseca, aos dois aviões e helicóptero da Força Aérea, e aos semi-rígidos de Leixões e do Douro, juntaram-se, logo cedo, a embarcação Jorge Santos, também da Póvoa de Varzim, e um navio mercante, que foi desviado da sua rota. Ao fim da tarde estes meios regressariam a terra, mas as buscas iriam prosseguir durante a noite com a chegada, esperada, da corveta Jacinto Cândido. Nesta terça-feira, todo o dispositivo regressa à área, confirmou a mesma fonte.

Os três desaparecidos são António Pontes Fangueiro, com 64 anos, também ele natural de Caxinas, Vila do Conde, como o mestre, e dois pescadores indonésios: Mohamad Joni, de 33 anos, e Ardiansyah Nasution, de 26 anos, empregados por uma agência internacional de recrutamento, que já foi alertada para o incidente. São dois dos cerca de 200 pescadores naturais da Indonésia que, recentemente, passaram a trabalhar em várias embarcações do Norte, compensando a falta de mão-de-obra local. Caxinas ainda é uma das maiores comunidades piscatórias do país, mas a incerteza e os riscos da pesca artesanal forçaram muitos homens a sair do país ou a tentar outras actividades, o que deixou muitos dos armadores a braços com dificuldades para manter os barcos no mar.

Nesta segunda-feira, alguns dos amigos de Rafael Silva procuravam, junto de José Festas, saber algo mais sobre o que acontecera ao Mestre Silva. São quase todos jovens, um deles até perdeu o pai no mar, e combinaram não ir ao mar na noite desta segunda-feira. Olhado da praia, pelo menos, o Atlântico parecia não convidar à pesca. Embrulhado num denso nevoeiro, fazia-se ouvir pelas ruas, intrometendo-se no bulício de fim de tarde de uma terra que já não pára para chorar os seus mortos.

A Força Aérea gravou a operação de salvamento do mestre

Num café fechado, onde, em vão, procurámos alguns desses homens que vieram do outro lado do mundo fazer as vezes dos pescadores que partiram, um pequeno cartaz na parede não deixa que nos esqueçamos de que é feito, ainda assim, este lugar. Enquanto se procuram, vivos ou mortos, três homens do Mestre Silva, os caxineiros são convidados a participar, na sexta-feira que aí vem, numa missa de sufrágio pelos seis pescadores do Salgueirinha, que, há já 14 anos, perderam a vida não muito longe daquele mesmo ponto da costa. Seis rostos, entre muitos outros que desapareceram entretanto, e que ninguém por aqui esquece.

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