Ilha de Jaco: quando o sagrado se junta a estradas esburacadas

A leitora Ana Vargas partilha a sua experiência por Timor-Leste.

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Este ano, as férias foram passadas em Timor-Leste. Uma viagem em família há muito sonhada e até agora adiada. Como seria impossível conhecer o país todo, elegemos alguns locais que, para nós, eram visita obrigatória, entre eles a ilha de Jaco.

Saímos de Díli no dia seguinte ao da nossa chegada, a conduzirmos um carro com o volante à direita e mudanças automáticas. Tudo diferente do que estamos habituados, pelo que, concentrados na condução, ignorámos os avisos de que a estrada estava em mau estado. Baucau fica a pouco mais de 120 quilómetros de Díli, contudo, demorámos cerca de quatro horas a chegar. A estrada era pior do que esperávamos, estreita e cheia de buracos. Motas e microletes (camionetas de transporte de passageiros) passavam por nós a velocidades que nos pareciam vertiginosas. Nas motos seguem famílias inteiras. O pai, que conduz, uma criança à frente e outra entalada entre o pai e a mãe, esta, por vezes, montada à amazona. Não conseguimos deixar de nos surpreender com a decoração das microletes, com representações diversas, desde as Spice Girls a Jesus Cristo. Por vezes, no topo seguem passageiros e malas e, mais raramente, cabritos. A cada curva ou solavanco tememos que caiam e aterrem na estrada à nossa frente, mas voltam sempre a equilibrar-se. Revezamo-nos ao volante do carro e os outros passageiros vão assinalando os obstáculos: buraco, berma, mota, pedras, galo, cão, búfalo…

Chegamos a Baucau, almoçamos no restaurante Amália e retomamos a viagem. O nosso guia avisa-nos que a distância agora é menor, embora a estrada esteja em pior estado. Custa-nos a acreditar, mas é verdade. Quando chegamos à Pousada de Tutuala já está escuro. Estamos tão cansados que jantamos e vamos dormir.

No outro dia, acordamos cedo e, quando saímos dos quartos, sustemos a respiração com a vista: a pousada está situada num promontório e, à volta, estende-se o mar enquadrado por encostas verdejantes. O jardim tem várias árvores por onde passeiam pequenos macacos. A custo partimos. A distância agora é bastante mais curta e a estrada, em terra batida, faz-se bem. Chegamos à frente da ilha de Jaco, onde pescadores aguardam os visitantes. Peixes de vários tamanhos e cores estão pendurados nas árvores. Escolhemos dois, um vermelho e outro a lembrar um robalo, e logo depois somos levados por um dos pescadores à ilha de Jaco. Um estreito canal separa Timor desta ilha que parece terminar num extenso areal branco que circunda o centro, de um verde luxuriante. Somos as primeiras pessoas a lá chegar. Ao longo do dia os pescadores trarão outras pessoas, pequenos grupos que se dispersam ao longo do areal. A areia é muito fina e a água é azul opala, transparente e morna. Quando mergulhamos, vemos corais e peixes de várias cores e tamanhos.

Por volta do meio-dia, o pescador regressa. Traz os dois peixes grelhados, temperados apenas com sal e pousados em folhas de palmeira sobre um rectângulo de plástico. Comemos os peixes com as mãos, acompanhados por pão e água que tínhamos trazido. O sol queima. Procuramos a sombra das árvores, mas o calor aperta. Mergulhamos e voltamos a surpreender-nos com a cor dos peixes e a forma dos corais. A meio da tarde, os pescadores regressam para levar as pessoas de volta. É com pena que percebemos que o dia está a acabar e que temos de regressar. Sabemos que é a mistura da estrada esburacada, do carácter sagrado e da proibição de pernoita na ilha que a mantém deserta e selvagem. Única. Esperamos um dia lá voltar e encontrá-la assim.

Ana Vargas

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