Estas lojas de bairro têm sabido sobreviver e querem continuar de portas abertas

Aquela que é a zona mais típica da cidade de Aveiro, e também a mais procurada pelos turistas, ainda preserva alguns dos seus estabelecimentos mais tradicionais. Por quanto tempo? Se depender da vontade dos comerciantes, por muito mais.

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Feliciano Duarte, da Casa dos Jornais Adriano Miranda
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António Santos, da Competidora de Aveiro Adriano Miranda
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Francisco Freitas, da Petisqueira Portuguesa Adriano Miranda
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João Tavares, A Renovadora dos Arcos Adriano Miranda
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A Petisqueira Portuguesa conta com cerca de 70 anos de existência Adriano Miranda
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A zona dos Arcos é hoje maioritariamente frequentada por turistas Adriano Miranda
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O café é a grande estrela da loja de Frutuoso Almeida Adriano Miranda
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Diogo Almeida, Casa do Café Adriano Miranda
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Frutuoso Almeida e o filho, Diogo, na Casa do Café Adriano Miranda
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Nem todos os negócios resistem Adriano Miranda
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A Casa Zé Bissa foi um dos estabelecimentos que não sobreviveu Adriano Miranda
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Adriano Miranda

Fecharam-se várias portas, abriram-se outras, mas ainda há quem resista. E com muita força. Alguns estabelecimentos comerciais antigos foram substituídos por restaurantes ou unidades de alojamento local, mas no seio dos sobreviventes até que se vai convivendo bem com a “invasão” de turistas que tem atingido o bairro. Nalguns casos, foi preciso adaptar a oferta ao novo tipo de clientela. Noutros - muito poucos, é verdade - tudo se mantém quase como antigamente. A zona típica da Beira-mar, em Aveiro, preserva uma mão cheia de lojas bem tradicionais e antigas, repletas de histórias para contar e com muita vontade de continuar a fazer parte do dia-a-dia da cidade.

“Quem manda são os clientes. Felizmente, têm ditado a continuidade da loja”, testemunha Frutuoso Almeida, proprietário da Casa do Café, há já 35 anos. As prateleiras exibem uma grande variedade de frutos secos, vinhos e licores, entre outros artigos de mercearia, mas a estrela da casa é mesmo o café. Originário da Colômbia, Brasil, Timor ou Índia. Há propostas para todos os paladares, com essa garantia: “todo café que aqui está é puro”, assegura o comerciante. “Compramos o produto em cru e somos nós que o torramos e que depois fazemos as misturas”, revela Frutuoso Almeida, ao mesmo tempo que abre uma lata de café moído para nos confrontar com o aroma.

Na verdade, o cheiro a café acabado de moer está um pouco por toda a loja. Consegue até sentir-se da rua. A culpa é do balcão de moinhos que é o orgulho de Frutuoso Almeida. “É o único balcão do país com tantos moinhos, são cinco, e todos eles com uns 90 a 100 anos”, evidencia, com brio. É ali que transforma os grãos em pó. Mesmo em frente aos clientes, que parecem ficar agradados com a ideia de poderem acompanhar o processo. “É fantástico”, avaliava Ruth Ribeiro Rodrigues, turista brasileira, enquanto comprava um saco de café originário, precisamente, da sua terra. “Sou de Minas Gerais, onde é produzido este café. Como me esqueci de trazer para oferecer a um amigo do Porto, decidi comprar este que é igual”, contava, rindo.

A Casa do Café é, assim, um daqueles exemplos de lojas tradicionais que tem conseguido sobreviver às mudanças dos tempos e das vontades. “Tivemos de nos adaptar”, revela o proprietário. “Antigamente, vendia muitas sementes e algumas rações. Quando tornaram esta zona pedonal, perdi essa clientela e tive de começar a vender outras coisas”, acrescenta Frutuoso Almeida. Também já lá vai o tempo em que tinha de correr o país, de lés-a-lés, para comprar “as nozes, amêndoas, o pinhão”. “Era tudo comprado directamente ao produtor”, nota, acusando saudades do tempo em que “ia à feira das nozes, em Vila Nova de Foz Côa, sem haver ainda auto-estrada”. Rotinas às quais o filho, Diogo Almeida, não assistiu. Ainda assim, aos 25 anos de idade, confessa-se apaixonado pelo negócio do pai. “E há partes que já é ele que controla”, nota Frutuoso.

E é também em família que é gerida a Petisqueira Portuguesa, outro dos estabelecimentos tradicionais do bairro da Beira-Mar. Terá mais de 70 anos de existência, segundo as contas do actual proprietário, Francisco Freitas, madeirense que emigrou para o Brasil e aí conheceu a grande responsável por vir parar a Aveiro. “A minha mulher era de Pinheiro da Bemposta, em Oliveira de Azeméis, e quando regressámos a Portugal surgiu a oportunidade de comprar este negócio em Aveiro”, introduz. Foi há 37 anos. Hoje, além de Francisco Freitas e da mulher, que comanda a cozinha, também ali trabalham o filho e a filha. Apenas com uma folga semanal (domingo), sem acusar cansaço. Muito pelo contrário. “O Inverno é que é mais triste. Tem menos clientes, menos trabalho”, testemunha Francisco Freitas.

Feliciano Duarte, da Casa dos Jornais Adriano Miranda
António Santos, da Competidora de Aveiro Adriano Miranda
Francisco Freitas, da Petisqueira Portuguesa Adriano Miranda
João Tavares, A Renovadora dos Arcos Adriano Miranda
Adriano Miranda
A Petisqueira Portuguesa conta com cerca de 70 anos de existência Adriano Miranda
A zona dos Arcos é hoje maioritariamente frequentada por turistas Adriano Miranda
O café é a grande estrela da loja de Frutuoso Almeida Adriano Miranda
Diogo Almeida, Casa do Café Adriano Miranda
Frutuoso Almeida e o filho, Diogo, na Casa do Café Adriano Miranda
Nem todos os negócios resistem Adriano Miranda
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A Casa Zé Bissa foi um dos estabelecimentos que não sobreviveu Adriano Miranda
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Feliciano Duarte, da Casa dos Jornais Adriano Miranda

Vontade de manter o negócio aos 95 anos

Será difícil passar na chamada zona dos Arcos (mais concretamente na Rua dos Mercadores) sem reparar na mercearia bem antiga que ali se mantém de portas abertas. A Competidora de Aveiro conta com 62 de existência e o homem que a abriu - e a continua a abrir - já vai nos 95. E sem vontade de se reformar. “O que é que eu ia fazer depois?”, questiona António Santos, quando lhe perguntamos se pensa passar o negócio. Vende todo o tipo de mercearia, desde detergentes a conservas, passando pelos vinhos, e as marcas tradicionais portuguesas ocupam lugar de destaque na montra – pasta de dentes Couto, cremes Bemanor, entre outros produtos. 

As grandes superfícies comerciais vieram tirar alguma clientela, reconhece António Santos, mas com “muito trabalho, muita poupança e muito juízo” tem dado para aguentar o negócio. “Sou eu que trato de tudo. Faço as compras e a escrita da loja”, revela o comerciante aveirense que já viu desaparecer todos os colegas de profissão e vizinhos do seu tempo. “Aqui, nos Arcos, havia sempre muita gente. Só engraxadores eram 48; agora não há nenhum”, recorda. Hoje, também há movimento, mas “mais à base de turistas, o que também significa menos vendas”, repara.

Na porta ao lado, mora outro estabelecimento bem conhecido dos aveirenses: a Casa dos Jornais. Feliciano Duarte faz as contas à sua idade, 82 anos, e à que teria o pai se fosse vivo. “Este estabelecimento já deve ter uns 100 anos”, atira, o agora mero colaborador do estabelecimento que se dedica à venda de jornais, revistas e artigos de papelaria. “Passei o negócio há 28 anos mas como vivo aqui perto venho cá todos os dias dar uma ajuda”, testemunha. Assegura que esta colaboração tem funcionado como uma espécie de “medicamento” para enfrentar as doenças que foram aparecendo e, por isso, a vontade de continuar é muita.

Feliciano Duarte conhece o bairro como muito poucos e a memória também não lhe falha: “aqui à volta, já fechou a drogaria, a casa de chaves, o Leonel dos tecidos, o restaurante Neptuno, a Casa Zé Bissa, a farmácia Ala, e outros”. Ao passear junto das habitações também nota que “já há pouca gente natural” de lá. “Os mais velhos foram morrendo, os filhos foram para a periferia e, agora, acho que há uns arquitectos que vão comprando as casas para alojamento local”, aponta. “Passo por lá e só encontro encontro três ou quatro pessoas conhecidas”, reforça o antigo proprietário do estabelecimento que chegou a abastecer toda a cidade de jornais. “Não havia mais nada e, como havia jornais vespertinos, tínhamos de estar abertos até às 22h00. E também tínhamos vendedores à porta dos cinemas e a fazer distribuição”, lembra. Memórias de um tempo em que “havia jornais a pontapé” e a casa tinha de abrir “365 dias por ano”.

Há vários anos a dar música aos transeuntes

É uma espécie de marca da Praça 14 de Julho. Durante o dia, a música vai-se fazendo ouvir. Em português, e maioritariamente interpretada por fadistas da nova geração (Ana Moura, Mariza, Camané, etc.). A banda sonora que anima o espaço exterior é assegurada pela loja de música Mega Hits, que já por ali está há mais de 20 anos – anteriormente, tinha estado no Centro Comercial Oita. Ajuda a animar a praça e as esplanadas nela existentes, mas também atrai clientes, segundo admite o proprietário da loja, José Alfredo.

Numa época dominada pelas compras de música online, ainda vai havendo muita gente que gosta “de comprar um CD”, garante o dono da Mega Hits. “O problema é que a maior parte das pessoas ouve os CD no carro e cada automóvel novo que agora está a sair para o mercado é um inimigo. Os novos modelos já não trazem leitor de CD, mas sim uma entrada para uma pen”, lamenta o lojista. Resta esperar que as “editoras se adaptem, passem a editar pen´s e a reeditar as coisas boas”, alerta o comerciante que espera continuar a dar música aos transeuntes por mais anos.

Umas portas mais à frente, na casa A Renovadora dos Arcos a vontade de continuar também é muita, ainda que “cada vez haja menos gente a aparecer para consertar sapatos”, desabafa João Tavares. A culpa, segundo o sapateiro, “é dos sapatos de má qualidade que por aí se vendem”. “As pessoas compram sapatos a cinco euros. Depois não vão gastar quatro euros a arranjá-los”, explica, lembrando que, há não tanto tempo assim, trabalhavam naquela casa 11 pessoas. “Agora, somos só dois”, nota o comerciante que já por ali está “há 36 anos” e conta ficar mais alguns. “Tenho 75 anos, mas como a reforma é baixinha não dá para deixar de trabalhar”, remata.

Progressão muito natural, diz dirigente

Na perspectiva da Associação Comercial de Aveiro (ACA), o forte crescimento turístico que a cidade tem vindo a registar - e cujos impactos são sentidos de forma mais intensa na zona da Beira-Mar – não tem prejudicado o comércio tradicional. “A progressão tem sido muito natural. E para alguns negócios até foi bom, uma vez que o turista procura o que é genuíno”, avalia Jorge Silva, presidente da ACA. Também no que respeita à especulação imobiliária, “não tem havido problemas com espaços comerciais. Os estudantes é que tiveram de sair do centro, com as casas a serem transformadas em alojamento local”, traça o dirigente.

A própria ACA decidiu, recentemente, vender a sua sede, situada naquela área central, para “aproveitar a valorização da zona” e por perceber que “actualmente, já não necessitava de tanto espaço”. Ao que tudo indica, o prédio anteriormente ocupado pela associação de comerciantes, também vai dar lugar a uma “nova unidade de alojamento local”. “Mas, neste caso, até será um regresso às origens uma vez que, há 50 anos, aquilo era uma pensão”, explica Jorge Silva.

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