Da Cidade do Cabo até Joanesburgo

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Quando se chega à Cidade do Cabo, em pleno Inverno, nem parece que se está mesmo em África. O nevoeiro, os chuviscos e uma sensação de frio contrastam com a ideia romântica dos campos dourados que se estendem até tocarem no sol escaldante da savana. Não, disso não há na famosa cidade, mas, por sua vez, é-se imediatamente cumprimentado pela Table Mountain, que se ergue no cabo mais lindo do mundo, como se quisesse espreitar para o frígido Atlântico, e aí é abraçada pelas nuvens cinzentas e tocada pelo oceano.

No Cabo da Boa Esperança recordo-me dos marinheiros portugueses que por ali passaram ao olhar por entre a vegetação e avistar a Vasco da Gama Cross, uma cruz branca em homenagem ao navegante luso. O carro anda, olho através da janela: gigantescas montanhas sumptuosas elevam-se ao largo de toda a costa, o mar amplia-se num azul escuro incessante e arbustos com flores amarelas e roxas mancham esta paisagem deslumbrante. É de cortar a respiração.

Da Cidade do Cabo, na zona mais a ocidente do país, até às planícies douradas que irei encontrar já perto de Moçambique, o cenário muda drasticamente. Os aloés veras e os cactos que caracterizam as terras austrais africanas salpicam um cenário que ora muda de alaranjado para um verde luxuriante, ora de pinheiros para plantações sem fim de bananeira.

Após três dias de viagem intensiva, chego a Durban, cidade costeira onde os coqueiros prosperam e o calor se sente. No mercado, coração da cidade, as mulheres com saias de pano coloridas equilibram na cabeça caixas enormes com peixe, os talhantes gritam, a azáfama instala-se na pele. No Herbal Market encontrei uma outra faceta de África: o místico mundo da feitiçaria. Numa rua suja estendem-se inúmeras pequenas barracas onde estão expostos macacos esfolados e abertos, crânios de vários animais e pós e poções que curam todo o tipo de males. O cheiro é intenso, os olhares são reprovadores: estamos quase como que a trespassar uma propriedade privada, propriedade essa pertencente só e unicamente à comunidade negra. Senti-me uma intrusa, e, com muita pena, vim-me embora daquele que foi um dos lugares mais fascinantemente herméticos que já visitei.

Os quilómetros continuam a contar. Atravesso os campos dourados e as aldeias rurais da pequena Suazilândia até chegar ao emblemático Parque Nacional Kruger. É nesta planície a perder de vista, por entre colinas douradas e arbustos secos, que habitam os big five: leão, búfalo, elefante, leopardo e rinoceronte. Vai subindo lentamente ao horizonte uma enorme bola cor-de-rosa que contrasta com a terra escura e as árvores nuas: é o nascer do Sol na savana.

Depois de safaris com histórias para dar e vender, é hora de seguir para Joanesburgo. Aí descobri uma metrópole moderna, o grande coração da África do Sul onde os murais coloridos que celebram heróis como Nelson Mandela ou Miriam Makeba dão vida a uma cidade frenética. Nas redondezas de Joburg estende-se até o olhar não poder mais o Soweto, a mais famosa das townships, com mais de quatro milhões de habitantes. Lá, debaixo do sol suave, jogam crianças à bola e correm miúdos e galinhas por entre as barracas de folha de zinco, esses labirintos sem fim cobertos pela poeira do abandono. No Soweto encontrei gente orgulhosa do seu bairro e que não desistirá tão facilmente, gente forte, dedicada, gente que nunca baixará os braços, que continuará a cerrar o punho enquanto segue orgulhosamente o seu querido Madiba.

“Podes sair de África, mas África não sai de ti”, e por isso persiste em mim a memória das paisagens esplendorosas, desde as montanhas grandiosas até aos pequenos charcos da savana onde os hipopótamos pachorrentos nadam. Persiste em mim um país com muitas facetas, um país de ricos e de pobres, com uma variedade étnica fascinante, um país de arranha-céus e de barracas. Mas essencialmente, persiste em mim a memória de um povo que, apesar do seu frágil passado, faz tudo para reerguer e fazer prosperar uma terra tão, mas tão bonita.  Desde a Cidade do Cabo a Joanesburgo, a rainbow nation surpreende quem ousa explorar os seus recantos.

Matilde Alvim

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