O herói do teletexto

Contratado pela via mais improvável e sem nunca ter marcado um golo em território britânico, Roy Essandoh fez do Wycombe, em 2001, um tomba-gigantes na Taça de Inglaterra.

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Roy Essandoh foi mais um herói nessa prova romântica e louca chamada Taça de Inglaterra Dan Chung/Reuters

Programação televisiva, notícias, meteorologia, números do totoloto e da lotaria, resultados de futebol, farmácias de serviço, horóscopos, serviços de encontros e mensagens, e até jogos. Haverá mais, mas estes são alguns dos serviços do teletexto, aquela coisa que parecia futurista há 40 anos, quando foi inventado, e que agora ainda terá o seu charme retro com aquele grafismo antiquado e palete limitada de cores em fundo negro, mas de pouca utilidade num mundo ligado à Internet. A todas aquelas utilidades do teletexto de que falámos no início, é hora de juntar mais uma: serviço alternativo para contratar jogadores de futebol.

Aconteceu no futebol inglês em 2001, em que uma notícia no teletexto da BBC conduziu à contratação de um jogador que viria a ser o herói numa vitória altamente improvável do Wycombe Wanderers, da III Divisão inglesa, sobre o Leicester City, da Premier League, nos quartos-de-final da Taça de Inglaterra. Roy Essandoh era um avançado no desemprego que nunca tinha marcado um golo em território britânico e que tinha tido os seus melhores momentos no futebol finlandês. Mas o que ele fez naquele jogo, há 17 anos, garantiu-lhe a imortalidade.

O Wycombe Wanderers, como tantos clubes do futebol inglês, tem mais de um século de existência, mas nunca foi acima da III Divisão. Tinha como treinador Lawrie Sanchez, um norte-irlandês que já tinha sido herói nos seus tempos como jogador no “Crazy Gang” do Wimbledon – marcou o golo da vitória numa final da Taça de Inglaterra contra o Liverpool – e as suas ambições na temporada resumiam-se a sobreviver na Division Two (terceiro escalão).

A época foi avançando e os Wanderers também na FA Cup, aquela prova em que todos podem ser grandes, eliminando equipas com história em Inglaterra, como o Millwall, o Wolverhampton ou o Wimbledon, chegando, pela primeira vez na sua história, aos quartos-de-final. Iriam ter pela frente o Leicester City, na altura o quarto classificado da Premier League, mas uma vaga de lesões reduziu o plantel a 16 jogadores e Sanchez praticamente não tinha avançados para a partida. Um empréstimo de curta duração seria a opção óbvia, mas era preciso que o jogador ainda não tivesse sido utilizado em jogos da Taça. Mas já se estava em Março e havia poucos nessas condições.

Para além do mais, era difícil convencer alguém de uma equipa de escalão superior a jogar um par de meses na III Divisão. Com poucas opções, Sanchez virou-se para jogadores que se tinham retirado há pouco tempo. Sanchez telefonou a jogadores como Ian Wright, antigo avançado do Arsenal, e ao italiano Gianluca Vialli, que tinha terminado a carreira no Chelsea e estava a iniciar-se como treinador. Ambos agradeceram o convite, mas rejeitaram a oferta, e o treinador do Wycombe tentou uma abordagem alternativa. “Resolvemos meter um anúncio na Internet, a ver se alguém se achava capaz de jogar a este nível, desde que ainda não tivesse jogado na taça nessa temporada”, contou o técnico norte-irlandês.

Quem estava de serviço no teletexto da BBC (Ceefax, era como se chamava) achou piada ao anúncio do Wycombe e fez uma notícia só para o teletexto. Um belo dia, um empresário de futebol estava a navegar pelo Ceefax, viu a notícia e contactou de imediato Roy Essandoh, que estava à experiência no Rushden & Diamonds, depois de ter passado alguns anos no finlandês Vaasa, onde até marcou alguns golos, mas de onde saiu porque não lhe pagava.

Até então, não estava a ser nada brilhante a carreira deste avançado nascido em Belfast e criado no Gana. Começara a jogar na Escócia, mas não marcou qualquer golo como sénior nos poucos jogos que fez. Foi para a Áustria e, depois, para a Finlândia, mas acabaria por voltar ao território britânico, sem grandes perspectivas e já com 25 anos. Essandoh recebeu o tal telefonema do empresário, foi treinar à experiência no Wycombe e impressionou o suficiente para lhe darem um contrato de duas semanas.

Depois de alguns minutos num jogo do campeonato em que, segundo o próprio Sanchez, “não foi espectacular, mas também não foi mau”, Essandoh foi para o banco no jogo da Taça com o Leicester. Cerca de 22 mil pessoas estavam nas bancadas do Filbert Street e, depois de uma primeira parte sem golos, ficaram de boca aberta quando Paul McCarthy, defesa irlandês do Wycombe, colocou os visitantes em vantagem perante uma das melhores equipas da Premier League.

O Leicester reagiu e empatou com um golo de Muzzy Izzet, mas não "matou o jogo" e o Wycombe teve uma reclamação legítima de penálti. Sanchez reclamou, chamou nomes feios ao árbitro e foi ver o resto do jogo para o balneário. Por esta altura, já estava em campo Essandoh, mas o objectivo assumido do Wycombe era o de segurar o empate e levar a eliminatória para um jogo de desempate.

No último minuto do tempo de compensação, também conhecido como o minuto dos heróis, o médio Danny Bulman meteu a bola na área, o defesa Jamie Bates ganhou nas alturas aos homens do Leicester e direccionou a jogada para Essandoh. O jogador com o número 36 nas costas elevou-se um pouco no ar e cabeceou para o sítio certo. “Se as pessoas ainda não acreditam, imaginem como eu me sinto, a marcar o meu primeiro golo no meu primeiro jogo da Taça”, disse no final do encontro.

O Wycombe acabaria por ser eliminado nas meias-finais pelo Liverpool (que ganharia o troféu), e Essandoh seria dispensado no final da temporada, apenas com aquele golo ao Leicester no currículo. Não seria o início de uma bela carreira para o herói acidental, que andou a navegar pelo anonimato do futebol amador em 13 clubes diferentes nos 12 anos seguintes antes de terminar a carreira aos 36 anos e continuar a vida como instrutor de fitness. “Não foram 500 golos”, recordou Essandoh em 2014 num magazine da FA Cup. “Mas foi qualquer coisa que me faz olhar para trás e pensar: foi óptimo.”

Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos

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