Qual o local do nascimento de D. Afonso Henriques?

Se tentarmos traduzir essa probabilidade em números, julgo não andar longe da verdade se fixar 80% a favor de Guimarães e 20% para os outros locais propostos.

Para se determinar o local de nascimento de D. Afonso Henriques, é importante conhecer, previamente, a data do seu nascimento.

Ao longo dos tempos, por vezes, sem quaisquer justificações, a historiografia portuguesa foi apresentando várias datas para o nascimento do nosso primeiro monarca: 1106, 1109, 1110 e 1111.

Acontece que, na sequência de uma polémica, gerada acerca do local de nascimento de Afonso Henriques, o historiador Armando de Almeida Fernandes - que sempre foi a favor de Guimarães - começou a defender Viseu como local de nascimento do Rei Fundador, no seu livro Viseu, Agosto de 1109, Nasce D. Afonso Henriques.

Atualmente, os autores estão divididos entre 1106, 1109 (uma pequena minoria 1111), sendo que o ano 1109 era aquele que reunia maior consenso entre os historiadores. Porém, o ano de 1109 começou a ser substituído pelo ano de 1106, em consequência de um estudo realizado pelo investigador Abel Estefânio, estudo esse publicado no n.º 8 da Revista Medievalista (julho-dezembro de 2010) e que se fundamenta na Vida de S. Teotónio, cujo texto remonta a 1162. Portanto, escrito em vida de D. Afonso Henriques (1106-1185). Esse trabalho de investigação mereceu largos elogios do Prof. José Mattoso.

De acordo com a opinião da larga maioria dos autores, o Fundador de Portugal  nasceu no palácio real (palatium regale), da então “Vila Vimarannes”.

Para comprovar o seu nascimento em Guimarães, na falta de certidão de nascimento ou outro documento equivalente, temos de nos socorrer de prova indireta. Enquanto a prova direta demonstra, de forma imediata, que um determinado facto ocorreu, a prova indireta assenta em dados circunstanciais que, quando conjugados, podem levar à convicção da ocorrência do facto que se investiga.

Vejamos então quais são esses factos, relativamente ao local de nascimento:    

1 - A residência dos Condes Portucalenses, desde Mumadona, sempre foi em Guimarães. D Afonso Henriques mudou-a para Coimbra em 1131.

2 - Entre 1107 e 1110, o mosteiro, fundado por Mumadona, foi convertido na Colegida (Ecclesia Vimaranensi) e era ali, segundo se deduz do episódio da expulsão de Egas Pais, narrado na Vita Sancti Geraldi, que D. Henrique e D. Teresa (pais do infante Afonso Henriques) assistiam aos ofícios divinos. (cf. PMH - Scriptores- vol.- I - 53).

3 - Uma vez que o casal (D. Henrique e D. Teresa) assistia aos ofícios religiosos nessa “Ecclesie Vimaranensi”, é lógico e muito provável que D. Afonso Henriques aí tivesse sido batizado pelo então arcebispo de Braga, contrariando a tradição relativamente à capela de S. Miguel do Castelo, construída em anos posteriores, como parece resultar da sua estrutura e estilo românico tardio, com prenúncia do gótico.

4 - Após a concessão do Condado a D. Henrique e D. Teresa, em 1095, Guimarães era o local mais adequado, geográfica e administrativamente, para a instalação da sede do Condado, sendo que o primeiro ato oficial que Henrique e Teresa tomaram foi conceder o Foral a Guimarães, em 1095 ou 1096. Alguém acredita que se D. Teresa residisse em Viseu, em 1109, como defende Almeida Fernandes, apenas 27 ou 28 anos depois lhe concedesse foral, em maio de 1123?

5 - Tudo leva a concluir que, após a concessão da Terra Portucalense, D. Teresa residiu no palácio real de Guimarães até cerca de 1121, altura em que se associou ao galego, Fernão Peres de Trava, e teria passado a residir em Viseu, recebendo aí apoios significativos à sua política dissidente do filho e da nobreza do Condado. E foi daí que os seus apoiantes partiram para o confronto na Batalha de S. Mamede (24.06.1128).

6 - Os factos antecedentes à Batalha de S. Mamede (24.06.1128) e os mais importantes documentos da época assim o sugerem, nomeadamente a doação de Seia e do castelo de Santa Eulália (c. Montemor-o-Velho) ao conde galego Fernão Peres de Trava, respetivamente, em maio de 1122 e 1123 (DMP. n.º 62 e 63) e o doc. n.º 72, lavrado em Viseu, em outubro de 1125. Saliente-se que só após se fixar em Viseu é que D. Teresa lhe concede o foral, em maio de 1123.

7 - O governo do Condado e os transportes rudimentares da época, exigiam, naturalmente, residências ocasionais em Coimbra e Viseu.

8 -  Documento importante a favor de Guimarães é também a doação, outorgada  por D. Teresa, em 1121, aos franceses moradores em Guimarães, de um campo situado junto do “nosso paço real” (palatium nostrum regale) e de quem D.Teresa diz: “escolhestes habitar connosco” (elegistis nosbiscum commorari). A conjugação das duas referências apontam para a residência oficial de D. Teresa em Guimarães. 

9 - A ameaça moura nas zonas de Lamego, Viseu, Seia e Coimbra aconselhava a manutenção da residência Condal em Guimarães.  

10 – Uma tradição oral e secular, especialmente a partir dos séc. XV/XVI, recebida por Duarte Galvão, localiza o nascimento de D. Afonso Henriques em Guimarães. Com efeito, na Crónica de El-Rei D. Afonso Henriques, Duarte Galvão (1445-1517) afirma: “... quando Egas Moniz soube que a Rainha parira cavalgou à pressa, e veio a Guimarães onde o Conde estava e pediu-lhe por mercê que lhe desse o  filho que nascera, para o haver de criar, como lhe havia prometido ...”.

11 - A transmissão oral da tradição surge, pois, como uma possibilidade cuja verosimilhança se afigura poder ser aceite sem qualquer dúvida. Negar o nascimento do infante, em Guimarães, é negar a possibilidade da transmição oral das tradições e da sua veracidade, antes da consagração pela palavra escrita.

12 - Todo este circunstancionalismo confirma uma longa e unânime tradição oral e literária, firmemente arreigada, justificando o facto de a historiografia, ao longo dos tempos, nunca sentir necessidade de questionar o local de nascimento do Rei Fundador.

13 - A 29 de julho de 1109, é outorgada a doação do mosteiro de Lorvão à Sé de Coimbra, à qual, segundo Almeida Fernandes, D. Teresa não assistiu por estar retida em Viseu, em consequência da gravidez de D. Afonso Henriques, que iria nascer, nessa cidade, poucos dias depois, ou seja, a 5 de Agosto de 1109. Porém, Almeida Fernandes “esqueceu-se” de um facto importante. Com o efeito, é o próprio documento da doação, onde se apoia, que o desmente, porquanto nessa data (29 de Julho de 1109) já o infante Afonso Henriques tinha nascido. Nesse documento de doação, D. Teresa faz um referência aos seus “filhos e filhas”, nos seguintes termos: “Damos o referido cenóbio (mosteiro) com as suas vizinhanças... para redenção das nossas almas e das almas dos nossos reis, senhores Fernando e Afonso (respetivamente avô e pai de D. Teresa) e dos nossos filhos e filhas”.

Daqui resulta que, em 29 de julho de 1109, data da doação do mosteiro de Lorvão à Sé de Coimbra e na qual D. Teresa pede pela “redenção das nossas almas... e pelas almas dos nossos filhos e filhas”, D. Afonso Henriques já tinha nascido, contrariando frontalmente a tese de Almeida Fernandes. As filhas de D. Teresa eram as infantas Urraca, Sancha e Teresa e os filhos eram o infante Afonso Henriques e outro irmão que teria nascido antes dele e morrido precocemente. Só se compreende a referência aos “filhos” se de facto eles já tivessem nascido. Por outro lado, a circunstância de o texto referenciar expressamente o plural para diferenciar os varões das mulheres, revela que, nessa altura, os Condes tinham mesmo esses dois filhos.

14 - Penso que, através da prova indireta, terá sido encontrada a tese mais provável para o local de nascimento de D. Afonso Henriques, já que, nesse tempo, não havendo maternidades, os filhos nasciam onde residiam os pais, neste caso, no palácio real da Vila Vimaranes. Se tentarmos traduzir essa probabilidade em números, julgo não andar longe da verdade se fixar 80% a favor de Guimarães e 20% para os outros locais propostos.

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