O zunido da vida

Os amores contrariados adoram contrariedades e não há nada que os amores impossíveis gostem mais do que rebentar com a escala do possível.

Ao sair de casa dou com duas borboletas a fazer piruetas sincronizadas, subindo e descendo num parafuso de obsessão sexual. Para elas o mundo não existe. À volta delas, nada. Entre elas, tudo.

É uma folie à deux que ali se vive, uma psicose rachada ao meio e dividida em dois. Aproximo-me. Estão a zunir. Não imagino o que estejam a dizer uma à outra – mas coisa pouca não é.

Porventura repetem-se febrilmente "I want you, I want you, I want you, I want you...olha que eu salto-te para cima, ai juro-te que salto, olha que até te peço que saltes, olha que eu salto mesmo..."

Nada contribuía para aquele romance. A Primavera, viste-la. O Verão, nem uma semana resta. O nevoeiro está caído no chão. Não é o tempo das borboletas em Almoçageme.

Mas os amores contrariados adoram contrariedades e não há nada que os amores impossíveis gostem mais do que rebentar com a escala do possível.

A prova disso são estas duas borboletas de Setembro tardio. Estão a poucas horas da morte certa e elles ne pensent qu'a ça...

Têm as asas enrodilhadas de tanto girar. Tenho de dizer que não ficariam bonitas numa fotografia, se está habituado às borboletas que usam para nos aliciar a comprar televisores novos.

Estas são verdadeiras e cor de laranja velha. Espero um bocadinho para ver se passam à fornicação. Não passam. Estão intoxicadas pelas danças da preparação. Estão viciadas no prolongamento do prefácio, no adiamento das vias de facto.

Fazem muito bem. O quê? Quem sou eu para estar aqui a dar-lhes os parabéns?

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