Maria João como nunca a tínhamos visto no arranque da European Jazz Conference

A European Jazz Conference, pela primeira vez em Portugal, arrancou na quinta com uma gala protagonizada pela Orquestra Jazz de Matosinhos no CCB. Na sexta-feira, a cantora Maria João partilhou as suas cordas vocais com a plateia.

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Maria João na European Jazz Conference, no CCB Andreea Bikfalvi
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Maria João na European Jazz Conference, no CCB Andreea Bikfalvi
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Maria João e as suas cordas vocais na European Jazz Conference, no CCB Andreea Bikfalvi
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Maria João na European Jazz Conference, no CCB Andreea Bikfalvi
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Maria João com a Orquestra de Jazz de Matosinhos, também no CCB Andreea Bikfalvi
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Maria João com a Orquestra de Jazz de Matosinhos, também no CCB Andreea Bikfalvi

Já na véspera Maria João nos tinha dado a apreciar as suas cordas vocais. Enquanto convidada da Orquestra Jazz de Matosinhos na gala de abertura da European Jazz Conference (EJC) – a decorrer no Centro Cultural de Belém, Lisboa, até domingo –, a cantora mais celebrada da história do jazz português deliciou a plateia composta por programadores e agentes internacionais com interpretações arrebatadoras de temas como Canto de Ossanha (original de Baden Powell e Vinicius de Moraes) ou Flor (letra da própria para composição de Mário Laginha).

Não foram apenas estes dois temas que lhe couberam em sorte para fechar a actuação da OJM na companhia de alguns dos mais destacados músicos portugueses – antes de Maria João, houve o piano de João Paulo Esteves da Silva, o saxofone de João Mortágua e o acordeão de João Barradas. Mas foram estes os momentos em que Maria João mais deixou baixar em si aquele canto prenhe do voo melódico do cancioneiro brasileiro, da mais pura liberdade do jazz e da natureza telúrica da música africana. “Parece uma criança feliz”, comparava uma espectadora no final, gabando-lhe essa capacidade rara de pensar a música como um espaço sem fronteiras, sem medo do ridículo e de uma transbordante jovialidade, em que todo o corpo se implica no canto.

Assim foi na noite de quinta-feira. Porque na manhã de sexta, convidada pela organização a proferir o discurso de abertura da EJC, Maria João optou por uma forma muito particular de boas-vindas. Deu a conhecer ao público as suas cordas vocais de uma forma bem mais íntima e inesperada: no ecrã do CCB, a cantora fez projectar um vídeo pré-gravado do seu aparelho vocal em pleno funcionamento enquanto cumprimentava a assistência e cantava. Depois, já sem a ajuda do vídeo, falou do seu percurso, de ter erguido os punhos para lutar contra o bullying de que foi alvo em criança, de como o acaso a levou a descobrir a sua voz e, talvez mais importante do que tudo o resto, de como os dias dos músicos, hoje em dia, são gastos em tantas actividades (organização de agenda, marcação de concertos, actividades de promoção, etc.) que os distrai da sua real vocação. E revelou que o mais difícil de tudo é sobreviver aos muitos “nãos” que se ouve vida fora.

Reflectir e procurar soluções

Na verdade, este encontro anual da Europe Jazz Network serve, em boa parte, para debater e reflectir sobre as dificuldades encontradas pelos músicos de jazz dentro do espaço continental e procurar soluções. E no debate que se seguiu, dedicado ao jazz português no contexto europeu, ficaria claro um diagnóstico claro entre músicos, editores e autores nacionais de como a condição geográfica de Portugal, no extremo da Europa, e a falta de apoios do Estado para a internacionalização dos seus músicos são, talvez, o maior obstáculo a impedir que grupos portugueses possam realmente pensar o seu mercado de trabalho como podendo ser mais alargado do que o mero território nacional.

Pedro Costa, editor da Clean Feed, referir-se-ia a esse preciso problema na decisão de publicar formações portuguesas. Para uma casa como a sua, com uma ampla projecção internacional, torna-se complicado apostar em músicos que poucas possibilidades têm de mostrar o seu trabalho e obter reconhecimento para lá das fronteiras. Em linha com este pensamento, também Pedro Guedes, director musical da OJM, notou que a projecção de músicos portugueses no exterior acontece a uma escala individual e não colectiva. E nesse particular seriam citados os exemplos de Susana Santos Silva ou Luís Vicente como músicos cuja actividade se desenvolve, hoje, sobretudo no exterior.

Impermanence e imprevisibilidade

O “quinteto português” de Susana Santos Silva, Impermanence, foi um dos seis grupos escolhidos pela EJN para se apresentar ao público profissional europeu em formato de showcase no programa oficial da EJC (há todo um programa fringe, no Hot Clube e na LX Factory e no CCB a complementar esta oferta). Numa sexta-feira em que os três projectos apresentados eram oriundos da cena portuense disposta em torno da associação Porta-Jazz, a trompetista voltou a mostrar o porquê de ser um dos nomes mais estimulantes do jazz europeu, capitaneando uma música que se move sempre entre a estrutura e a sua perda, como se repetidas vezes ruísse para logo se erguer de novo sólida, numa milagrosa gestão de dinâmicas e com uma espantosa elegância a fugir de qualquer fantasma de previsibilidade.

Além de Santos Silva, apresentaram-se ainda Bode Wilson e Axes, num dia em que se falou ainda do que significa programar festivais de jazz em todo o mundo, da tecnologia ao serviço do marketing da música e de como aquilo que hoje não é jazz talvez amanhã o seja. Essa definição, acredita Adam Schatz (co-programador do NYC Winter Jazzfest), é uma grande perda de tempo. “Devido à escassez da carne, daqui a 50 anos por todo o mundo estaremos a comer insectos e se então perguntarem a alguém se aquilo é comida essa pessoa dirá simplesmente: Sim.”

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