A brusca travagem da carreira de Romano Fenati

A suspensão por duas provas foi seguida pelo despedimento e perda de licença. Não faltam exemplos de truques e gestos irreflectidos no motociclismo. Este pôs fim ao percurso do italiano de 22 anos.

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Romano Fenati foi exemplarmente punido Mirco Lazzari gp

Questionado um dia sobre os truques sujos que usou contra um adversário numa prova da temporada de 1994, o antigo campeão mundial de 250cc (actual Moto2) Max Biaggi não teve pejo em responder: “Isto é uma corrida de motos, não é música clássica”. Nos anais das corridas não faltam incidentes perigosos como o que protagonizou Romano Fenati no último Grande Prémio (GP) de São Marino de Moto2. A grande diferença é que este aconteceu perante as câmaras e mereceu um castigo exemplar.

Romano Fenati tem apenas 22 anos, mas o seu temperamento explosivo já era uma imagem de marca. No circuito de Misano voltou a perder a cabeça. Durante uma disputa com Stefano Manzi, no domingo, a sua moto foi tocada pela do compatriota, provocando-lhe uma saída de pista. A reacção não tardou. Aproveitou uma recta para se aproximar do adversário pela lateral e, para surpresa geral, apertou-lhe a manete do travão frontal, quando seguiam a mais de 200km/h. Manzi ainda segurou a moto, mas acabou por cair, sem se magoar.

Já para Fenati o gesto irreflectido e antidesportivo eclipsou o seu percurso. Primeiro, foi desclassificado da corrida e suspenso para as próximas duas provas. Mas a repercussão mediática do seu gesto não se compadece com tão leve castigo e de nada valeu ao piloto o pedido de desculpas pelo seu comportamento. “Foi uma atitude lamentável. Nesse momento não fui um homem”, afirmou.

A má imagem deixada tornou inevitável o seu despedimento pela actual equipa, a Marinelli Snipers, levando-o a perder também o contrato que já tinha assinado para a próxima temporada com o construtor italiano MV Agusta. E na passada terça-feira a Federação de Motociclismo Italiana (FMI) retirou-lhe a licença de competição.

Um pouco antes, e antecipando este cenário, o próprio Fenati tinha renunciado à sua carreira no motociclismo para “prosseguir os estudos”. Não quis fechar totalmente a porta a um regresso, mas neste momento quer resguardar-se do vendaval global de críticas e acusações: “Nunca mais será o meu mundo. Demasiado injusto. Terminei o Mundial e não voltarei a correr”, garantiu em entrevista ao jornal La Reppublica.

Despedido por Rossi

Mas será que aquilo que Fenati fez, absolutamente condenável, é uma novidade nas corridas de MotoGP? “Para lhe retirarem a licença desportiva vão ter de o fazer a muitos outros pilotos que têm atitudes idênticas”, defendeu ao PÚBLICO Paulo Oliveira, antigo piloto de velocidade e pai do piloto português de Moto2, Miguel Oliveira.

“Infelizmente isto é comum acontecer. Há pessoas que não lidam tão bem como outras com a pressão a este nível competitivo”, contextualiza, congratulando-se por o incidente não ter tido consequências mais graves para a integridade física dos dois protagonistas. “Este castigo vai servir, acima de tudo, de exemplo para os outros.”

Nascido na cidade de Ascoli Piceno, no centro de Itália, a escassos 150km do circuito de São Marino, Fenati era tido como uma grande esperança do motociclismo italiano, sendo até considerado o provável sucessor do mítico Valentino Rossi.

Chegou ao MotoGP em 2012, integrando o pelotão da categoria inicial de Moto3. Demonstrou desde logo o seu talento, com um segundo lugar na corrida de estreia no Qatar e vencendo a segunda prova do calendário, em Espanha.

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Fenati ao serviço da Sky VR46

As suas enormes potencialidades levaram-no a integrar a equipa Sky VR46, criada pelo multicampeão Rossi, até ser despedido há dois anos por indisciplina e comportamento agressivo dentro e fora das pistas. “Digamos que, às vezes, Fenati não se controla, e se isso acontece uma vez, duas vezes... Mas se acontece muitas vezes, a cada três ou quatro corridas temos de voltar ao ponto de partida, então é algo que não tem solução”, justificaria Valentino, em 2016.

Fenati transitou então para a modesta Marinelli Snipers, ao serviço da qual alcançou o vice-campeonato de Moto3 em 2017. Uma prestação que lhe valeu a promoção à Moto2 esta época. O incidente de São Marino travou-lhe definitivamente a carreira.

“Sempre foi um jovem super-temperamental, a explodir em pouca água”, recorda Rui Miguel Belmonte, jornalista especialista em motociclismo. “Claro que aquilo que ele se fez não se faz, mas sempre aconteceu. Agora tudo fica exponenciado ao máximo com a mediatização e as redes sociais”.

Ter cabeça e estatuto

Quem também está contra esta “crucificação” de Fenati é o mítico piloto italiano Giacomo Agostini. “Foi uma situação muito desagradável, muito perigosa e eu não consigo entender aquele gesto”, criticou a lenda do motociclismo, que disputa com Rossi o estatuto de melhor de sempre na modalidade. “Eu, pessoalmente, não estou de acordo com esta ‘guilhotina’ [perda da licença desportiva e fim de carreira] mas, pelo menos, deveria ser castigado por toda esta temporada”, defendeu aos microfones da Radio Sportiva.

“Foi uma promessa, mesmo na equipa do Valentino, mas teve problemas. Parecia ter as habilidades para emergir, mas com este gesto provavelmente perderá essa possibilidade. É uma pena, mas tem de se ter cabeça para se ser piloto”, acrescentou.
Um sangue frio que falta muitas vezes aos pilotos mais jovens, perante a esmagadora pressão para obterem resultados. Mas mesmo os mais veteranos e experientes não são imunes a este tipo de “apagões” cerebrais. Como confirma o próprio Valentino Rossi, que pontapeou e fez cair o espanhol Marc Márquez na penúltima corrida da temporada de 2015 na categoria-rainha de MotoGP.

O italiano foi desclassificado da prova que decorria na Malásia e obrigado a partir da última posição para a corrida decisiva, em que acabaria por perder aquele que teria sido o seu 10.º título mundial. Para muitos, a pena foi demasiado leve. O estatuto também pesa no motociclismo.

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