Este ano não fizemos grandes planos de férias. Decidimos que não podíamos gastar dinheiro em viagens de avião ou em estadias para destinos mais ou menos exóticos. A razão é simples: somos daqueles trintões que ganham o mesmo desde que saíram da faculdade, o mesmo que já não era muito aos 20 e que agora, com rendas e contas para pagar, numa cidade entregue à especulação, se torna praticamente incomportável. Sabemos que haverá muita gente em pior situação que nós e que somos de alguma forma privilegiados com apoios familiares aqui e ali, mas sabemos também que somos representantes de uma geração que, sem se dar conta, antes de saber exactamente o que queria, já tinha parte dos sonhos hipotecados e das liberdades limitadas caso aspirasse simplesmente a permanecer no país. Uma geração a viver uma crise de emancipação permanente.
Voltando às ferias, a decisão foi seguir em direcção ao Gerês com o carro atulhado de kits de campismo, compras de supermercado e roupas. Acampámos num parque de campismo "ecológico" com uma paisagem deslumbrante, mas onde um banho não podia durar mais de dez segundos e a água não era aquecida. Não saímos de lá sem uma animada discussão sobre as motivações económicas que se escondem por detrás de argumentos mais ou "esverdeados" e uma conversa sobre como alguns parques de campismo em Portugal se assemelham mais a espaços de celebração de desalento colectivo do que zonas de fruição e descanso. São, no fundo, para muitos, a opção para quem não tem outra, chegando mesmo a albergar moradores permanentes. Ainda nos rimos sobre a possibilidade de começar uma revolução no país através da mobilização dos campistas.
O banho frio valeu a pena, passámos os dias em cascatas de cortar a respiração, calcorreámos caminhos incríveis e comemos bem — no Norte come-se bem e uma dose de bacalhau à minhota chega para dois —, mas o mais importante foi encontrar as celebrações da festa do São Bento da Porta Aberta, uma daquelas festas de aldeia onde os emigrantes se empenham em proporcionar a maior e melhor festa, o mais longo e espectacular fogo-de-artifício. E é precisamente neste fogo-de-artifício — um cocktail de cor, efeitos mágicos e explosões aéreas — que investem os sonhos, as desilusões e a overdose de nostalgia. O fogo-de-artifício em Portugal é mais do que um mero espectáculo pirotécnico; é um fenómeno de condensação sentimental sobre os encontros e desencontros da vida.
Ficámos até ao fim da festa e, entre as filarmónicas que agora tocam covers, os cantares de desafio e bastantes cervejas conseguimos trocar algumas palavras com quem saíra e ficara no país e que, por estes dias, festejava. Em todos sentimos que a euforia não conseguia mascarar por completo uma certa inevitabilidade no olhar, essa que por vezes se revela em noites que já vão altas e maduras. Entre os que sentiam orgulho por terem permanecido em Portugal "apesar das dificuldades" e os que sentiam orgulho por terem abandonado o país, mas "ganhado a vida", a sensação a reter é que a vida os tinha vencido a todos — semeando as ausências de uns nos outros como um jogo de espelhos sem solução possível.
Percebemos ainda que também nós estávamos entrincheirados nesse lugar charneira, situado entre desejos e impossibilidades. Perante os salários baixos, a precariedade laboral e as casas transformadas em "veículos" de rentabilidade estratosférica, vamos continuando a erguer esse muro ancestral — que, ao contrário do muro do Trump, é invisível —, capaz de projectar sombras no tempo e perpetuar desilusões irremediáveis por várias gerações.
Bem podem anunciar tímidas medidas para atrair os emigrantes e fixar habitantes, o mais provável é que nem eles voltem nem nós possamos ficar. O país, imaginando um futuro distópico, sobreviverá sobretudo enquanto entidade mitológica, recriada ilusoriamente de forma a preencher a própria ausência. Um território colapsado. Esvaziado de habitantes, esquecido e vazio nas suas entranhas, invadido por elites, especuladores e a sua classe servente nas margens. Uma coisa é certa. Se sairmos, não voltaremos com fogo-de-artifício — sinais (que embora comoventes) são indiciadores de que a sociedade portuguesa é ainda incapaz de se emancipar contra a desigualdade e a injustiça que a afecta.