No que nos tornamos

Depois de explicarmos as nossas estranhezas competiria aos inspectores decidir quais aquelas que, apesar de tudo, se mantêm excentricidades. Depois cada um faria o que muito bem entendesse. Mas sempre ficaríamos com uma ideia de como somos vistos.

É preciso cuidado com as excentricidades, porque elas instalam-se sem darmos por isso e com o passar dos anos acumulam-se até formarem uma irreversível parafernália de manias.

Embora todas elas tenham uma explicação, não é assim que o olhar dos outros funciona. Os outros olham e rapidamente julgam o grau de excentricidade: “Olha só como aquele gajo come melão.” Não importa se aquele método de comer melão é o resultado de uma longa evolução. Não se tem oportunidade de explicar nada.

Embora seja pouco saudável estar no centro das ideias e dos comportamentos (a moderação equivale ao tédio), as excentricidades condicionam muito a maneira como somos percebidos. Já são tantas e tão penosas as barreiras que nos separam e nos impedem de nos conhecermos humanamente! Quando se é julgado excêntrico, a nossa pessoa é reduzida às nossas excentricidades. Não é só sermos classificados: somos substituídos por elas.

É por isso que deveria haver maneira de podermos ir à inspecção em que um grupo de pessoas escolhidas ao acaso pudesse avaliar o nosso grau de excentricidade. Aí, sim, poderíamos explicar o porquê de cada excentricidade: como nos facilita a vida, se é uma homenagem a um amigo que morreu ou uma aprazível tolice que não faz mal a ninguém.

Depois de explicarmos as nossas estranhezas competiria aos inspectores decidir quais aquelas que, apesar de tudo, se mantêm excentricidades.

Depois cada um faria o que muito bem entendesse. Mas sempre ficaríamos com uma ideia de como somos vistos.

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