A importância de salvar (mesmo) todas as vítimas de catástrofes

Se não se dá o passo de integrar a medicina veterinária na protecção civil de forma a salvaguardar a população animal, então façamo-lo pela salvaguarda da população humana.

Foto

 José Vieira é médico veterinário e membro da Associação Nacional dos Alistados das Formações Sanitárias (ANAFS)

Há dois anos, defendia na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa a necessidade da extensão do Plano Municipal de Emergência de Protecção Civil de Lisboa aos animais de companhia. Pouco tempo depois, Portugal era assolado por violentos incêndios.

Tive a oportunidade de prestar assistência nesses cenários durante as fases de emergência e reabilitação. Pude comprovar, em primeira mão, a necessidade de incluir os animais nos planos de emergência, dando resposta a essa parte da população muitas vezes negligenciada e esquecida, assim como aos pedidos de uma sociedade cada vez mais sensibilizada com o bem-estar animal.

A existência de um recenseamento facilitaria o planeamento e uma adequação de resposta que asseguraria a saúde e bem-estar de todos os animais em situação de desastre. Este documento permitir-nos-ia saber com antecedência qual a distribuição dos animais em território nacional, qual o seu número e a que espécies pertencem — já que as dificuldades que se esperam no salvamento de animais de companhia são muito distintas às que poderão ser encontradas na evacuação de um parque zoológico.

Ao não integrar equipas veterinárias que assegurem a evacuação das zonas afectadas e o transporte dos animais para alojamentos temporários ou hospitais de campanha, corre-se o risco de ver um aumento no número de evacuações falhadas e no tempo de resposta, colocando em risco a vida das populações e agentes de protecção civil. Uma lacuna que pode levar a que as zonas afectadas recebam um grande número de voluntários da causa animal que, se não forem integrados em equipas autorizadas e identificadas, podem acabar por atrasar as operações prejudicando de maneira indirecta as vítimas.

Por outro lado, apesar de existir quem se coloque em risco para garantir a segurança dos seus animais, os desastres também conduzem ao aumento da população de animais errantes, fruto do abandono por parte dos seus tutores ou por causa de uma separação forçosa. Partindo desta realidade, deveria ser avaliada a possibilidade de organizar os voluntários em diferentes grupos de trabalho. Encarregar-se-iam, por exemplo, da coordenação de protocolos de adopção e de famílias de acolhimento temporário, da manutenção dos animais deslocados nos alojamentos temporários ou da recepção dos produtos doados.

Outro aspecto que importa realçar é o facto de que, em situações de desastre como as vividas no ano passado, as equipas veterinárias podem ser o primeiro contacto com os sobreviventes, desenvolvendo um papel fundamental no apoio social e emocional dos mesmos.

Por este motivo, as equipas veterinárias beneficiam em ser capazes de garantir bens de primeira necessidade para a população humana afectada e em contar com um psicólogo na sua estrutura. Após o furacão Katrina, em Nova Orleães, foi encontrada uma correlação entre um maior nível de psicopatologias — como stress agudo, sintomas de depressão e perturbação de stresse pós-traumático — em tutores que perderam os seus animais de companhia, quando comparados com os que não os perderam. Situação similar foi vivida nas serras portuguesas ardidas, onde a perda de animais de produção e companhia potenciou o isolamento e a solidão de populações envelhecidas.

Se não se dá o passo de integrar a medicina veterinária na protecção civil, em Portugal, de forma a salvaguardar a população animal, então façamo-lo pela salvaguarda da população humana.

Sugerir correcção
Comentar