"Lembro-me que eras tão bonita". Começou a reunião de 180 famílias separadas pela guerra da Coreia

“A primeira coisa que vou dizer ao meu irmão é ‘obrigado por estares vivo’”, diz um dos sobreviventes da guerra, que não vê o familiar há quase 70 anos. Última reunião do género foi em 2015.

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Lee Keum-seom reuniu-se finalmente com o filho pool
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KIM HONG-JI/Reuters
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“Espero poder abraçar o meu filho adulto”, dizia à BBC Lee Keum-seom, que não via o filho há 67 anos, desde que ele tinha apenas dois anos de idade. A reunião entre os dois já aconteceu, comprovada nas imagens do encontro de familiares separados pela guerra da Coreia há mais de seis décadas. “A primeira coisa que vou dizer ao meu irmão é ‘obrigado por estares vivo’”, diz Lee Su-nam, de 76 anos e que não vê Jong-seong há 68 anos. “Mas também tenho de ter cuidado, sei que há muitas coisas de que não podemos falar por causa das políticas do Norte”, ressalvou Lee ao Guardian, resumindo as consequências de um conflito para milhões de pessoas. Esta segunda-feira começou o processo que vai reunir 180 famílias coreanas.

Esta é a primeira reunião deste género desde 2015, um tipo de encontro que durante anos foi sendo aprovado e suspenso ao sabor da temperatura das relações diplomáticas entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul e cujo modelo foi encetado em 1985 — desde 2000 já se realizaram 20 encontros. A guerra da Coreia (1950-53) deixou um lastro humano palpável nas famílias que, no seu âmago, foram separadas e que muitas vezes não se avistam nem comunicam desde a década de 1950. De acordo com os dados oficiais mais recentes citados pela Reuters, cerca de 132.600 pessoas integram as listas de familiares separados pelo conflito e dos 57 mil sobreviventes da guerra 41,2% têm mais de 80 anos e 21,4% são nonagenários. A agência indica que o sul-coreano mais velho que deve participar no encontro desta segunda-feira tem 101 anos.

Lágrimas, abraços e incredulidade são dos sentimentos e actos que a imprensa presente inclui na sua descrição dos encontros já em curso — sorrisos nervosos, trajes tradicionais, muitas trocas de palavras emotivas pautam estas reuniões. "Como é que és tão velha?", perguntou retoricamente Kim Dal-in, de 92 anos, à sua irmã Yu Dok depois de a rever. Kim Yu Dok tem 85 anos, o irmão só dista sete anos da sua idade, mas não se viam há décadas. "Vivi este tempo todo para te conhecer", respondeu-lhe Yu Dok, chorosa, numa troca relatada pela Reuters. 

Serão 11 horas para cada encontro, que terão lugar na estância turística Mount Kumgang, e onde estará apenas uma percentagem dos candidatos à reunião familiar – mais de 57 mil pessoas registaram-se, mas apenas 180 famílias vão participar após um sorteio. O Guardian detalha que as 180 famílias estão divididas em dois grupos: o primeiro, de sul-coreanos, vai reunir-se com as suas famílias entre esta segunda-feira e quarta-feira; na quinta-feira, um novo período de três dias se abre para 88 grupos de familiares norte-coreanos, como contabiliza o Ministério da Unificação sul-coreano, citado pela Reuters, que irão ao encontro dos seus parentes no sul.

O número previsto era de 93 famílias de cada lado, mas quatro sul-coreanos não puderam comparecer por motivos de saúde, como disse a Cruz Vermelha, citada pela Reuters. A mesma agência indica que os sul-coreanos começaram a chegar domingo à cidade de Sokcho, na fronteira, para receberem as instruções para o encontro. A maior parte destas reuniões é feita sob supervisão, detalha a BBC.

Nos bastidores destes momentos tradicionalmente emotivos e que envolvem muitos sobreviventes de idade avançada estão as tensões políticas entre as Coreias. “Tenho mais de 90 anos e não sei quando vou morrer. Estou muito contente por ter sido seleccionado esta vez, estou nas nuvens”, disse à Reuters Moon Hyun-sook, que viajará do sul ao encontro das suas irmãs mais novas. O programa nuclear de Pyongyang tem estado no centro do diálogo tenso entre os dois países da península, que teve como ponto fulcral este ano o encontro entre o Presidente da Coreia do Norte Kim Jong Un e o líder sul-coreano, Moon Jae-in. Foi no encontro de Maio entre Kim e Moon que se decidiu a retoma destes encontros.

Mesmo a possibilidade de permitir que os familiares se vejam através de videoconferência, uma proposta a favor da regularidade das relações humana que a Coreia do Sul tem defendido, tem soçobrado perante as relações inconstantes entre os dois vizinhos. Mas há associações que tentam ajudar a manter estas relações e favorecer as chamadas por vídeo, a troca de correspondência e encontros mediados por funcionários chineses ou fora do país caso os familiares deslocados não vivam na Coreia do Norte.

Lee Soo-nam, que falou com o Guardian mas também com a Reuters, vai levar “comprimidos para a digestão e para as dores de cabeça, suplementos nutricionais e alguns bens quotidianos de primeira necessidade. Ele é muito velho por isso quero expressar a minha gratidão por estar vivo há muito tempo”, disse à agência de notícias. Prendas mais elaboradas são desaconselhadas, pois não passarão pelo controlo dos vigilantes norte-coreanos, e produtos do dia-a-dia como pasta de dentes ou casacos quentes são dos objectos mais comuns a ser aceites.

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