A nova Lei de Bases da Saúde

Restabelecer a dedicação exclusiva em novos moldes é condição necessária para que o Serviço Nacional de Saúde seja viável.

Foto
Nelson Garrido

À natureza universal do Serviço Nacional de Saúde (SNS), financiado por todos através dos impostos e a todos acessível, contrapõe-se a natureza particular do sector privado e social, acessíveis apenas aos que de forma direta ou indireta (subsistemas públicos ou seguros privados) pagam do seu bolso os cuidados de saúde. Com objetivos e obrigações sociais distintas, a sã coexistência entre sectores impõe que se estabeleçam regras de transparência ao nível da mobilidade dos doentes, de fluxos financeiros e da atividade profissional, no sentido de garantir um SNS universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito.

Caso se pretenda manter as caraterísticas de modelo de Saúde consagradas na Constituição da República, estes são aspetos que não podem deixar de ser tidos em conta na elaboração de uma nova Lei de Bases da Saúde. Se assim for, o novo texto legislativo deverá ser proactivo na defesa e robustecimento do SNS, não se quedando pelo enunciar de um conjunto de princípios anódinos, justificados por uma pretensa neutralidade do Estado relativamente à natureza e aos objetivos dos prestadores de cuidados de saúde. Colocar, como alguns desejam, no mesmo patamar os três sectores em que assenta o nosso sistema de saúde (público, privado e social) só pode ter como consequência a deterioração continuada do SNS com prejuízo dos cuidados de saúde prestados à maioria dos portugueses.

Se efetivamente se pretende manter o modelo atual de serviço público, há que assumir a centralidade do mesmo dentro do sistema nacional de saúde. Para tal, há que reconhecer a necessidade de adotar medidas visando uma progressiva e efetiva delimitação de sectores na Saúde, clarificação que terá de passar, também, pelo regime de trabalho dos profissionais. Sem um núcleo profissional dedicado, em trabalho exclusivo, o SNS não tem condições para dar resposta em quantidade e qualidade à necessidade crescente de cuidados de saúde no âmbito da promoção da saúde e da prevenção e tratamento da doença.

Este novo regime, doravante designado por dedicação plena, embora opcional, deve ser estimulado de forma a conseguir-se a desejável separação de sectores na Saúde. Entre outras medidas, requer que seja definida uma política salarial/remuneratória que o torne atrativo onde e sempre que tal se justifique. A nomeação em regime de dedicação plena para lugares de direção e chefia dos serviços de ação médica deve passar a ser preocupação central das administrações do SNS. Tratando-se de cargos temporários, da maior responsabilidade, as administrações devem ter autonomia suficiente para remunerarem estas funções de forma atrativa, acréscimo remuneratório esse que terá de ser devidamente balizado e escrutinado. Que o trabalho em dedicação plena possa ser uma exigência no perfil de admissão a concurso de recrutamento, sendo condição necessária que o diretor do serviço de ação médica em causa se encontre naquele regime de trabalho. Que o período formativo (internatos) passe a decorrer em regime de dedicação plena no organismo público, ou privado, onde o médico faz formação.

Não faz sentido manter todos os profissionais, os que desejam trabalhar em exclusivo no SNS e os que, legitimamente, pretendem acumular com a atividade privada, num mesmo regime contratual e salarial. Restabelecer a dedicação exclusiva em novos moldes é condição necessária para que o Serviço Nacional de Saúde seja viável.

Não nos iludamos quanto à proclamada excelência do nosso sistema de saúde: a manter-se a atual conflitualidade de interesses entre público e privado não teremos nem boa medicina pública nem privada no futuro.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

Sugerir correcção
Comentar