Já nem as praias são nossas

Quantas pessoas aguentam o sol em frente às concessões sem guarda-sol porque os espaços restantes estão todos ocupados, em pleno Agosto?

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Paulo Pimenta

São muitas as vezes em que os cidadãos se perguntam para onde é canalizado o dinheiro dos seus impostos que, tal como o nome indica, nos são impostos em tempos que dizem ser democráticos.

É difícil perceber a forma como é feita — e sobretudo gerida — esta canalização, que até tem um mapa anual chamado Orçamento do Estado, que por sua vez se ramifica no orçamento dos nossos municípios e das nossas juntas de freguesia.

São estes impostos que cuidam as nossas praias e que, à primeira vista, nos deveriam pertencer a todos. Mas, na realidade, pertencem às mil e uma concessões que ditam as regras e prestam os seus serviços nos nossos areais.

Caminhei por entre a espuma das ondas das praias do concelho de Loulé, tendo sido muito simples aperceber-me que os metros quadrados que pertencem a todos nós — a quem nos são impostos os ditos "impostos" — são cada vez mais diminutos.

Curiosamente, a zona que o município se esqueceu de tornar acessível reserva um areal não concessionado, onde não falta espaço para as nossas sombrinhas de sol. Isto se não nos importarmos com o nudismo que se pratica naqueles metros quadrados.

A verdade é que infelizmente não temos a capacidade dos répteis para sobreviver a uma ida à praia sem uma sombrinha — ou, se preferires, sem um guarda-sol —, nem as patologias de que somos todos vítimas nos permitem sobreviver dessa forma a um dia de praia.

Portanto, esta cobrança caminha de certa forma contra a saúde pública, se pensarmos a fundo. Quantas pessoas aguentam o sol em frente às concessões sem guarda-sol porque os espaços restantes estão todos ocupados, em pleno Agosto?

Porque nestas coisas do Estado Social, parece chato mas é necessário pensar na base da pirâmide — logo, nos que são mais desfavorecidos. Facilmente me dirás que, em muitas praias, que em nada são mais bonitas do que as nossas, do Sul de França e de Itália, nem sequer é permitido levar o próprio guarda-sol porque não existe um único metro quadrado não concessionado. Por sua vez, em algumas praias de Ibiza nem sequer podes levar fruta para a praia, para que a compres no local.

Essas praias — se as dissecarmos a fundo colocando de parte o atractivo por serem “estrangeiras” e mais ou menos paradisíacas ou pitorescas — não têm a vida que transporta o cheiro a Verão através do arco-íris de pantones que preenche e sempre preencheu as praias da nossa costa. Gravam na memória das suas cores ou em nuvens pinceladas a preto e a branco, famílias, gerações e histórias.

São roupas de banho que viram reduzir década após década os seus centímetros de tecido que cobriam os corpos desnudos para, nas modas vintage do tempo presente, os voltarem a vestir. Pergunto-me até onde irá a exploração dos nossos areais e do nosso mar se até já a nossa Costa Vicentina verá o solo ser aberto para extrair petróleo...

Um dia, talvez não muito longínquo, teremos que pagar para abraçar a água e mergulhar tal como pagamos naturalmente os nossos mergulhos nos parques aquáticos porque o ser humano é cada vez mais escravo de um sistema que, se não se reinventar rapidamente, verá nos dias do futuro os dias do seu fim.

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