O bom atraso de vida

O mal da pressa é que apressa tudo, incluindo o tempo que se poupa. Cultivar o vagar é mais difícil, mas a paciência recompensa.

Ao longo da vida vamos acumulando regras inúteis que incorporamos nas nossas vidas para reforçar a ilusão que mandamos nelas.

Uma delas é: “Se estás atrasado, faz um intervalo e atrasa-te mais um bocadinho.” Se acordamos tarde e ainda é possível ter um dia normal, então está bem, vale a pena acelerar para poder cumprir o horário.

Mas se já estamos irreversivelmente atrasados, mais vale tirar partido desse atraso e fazer de conta que dormimos mais uma hora para descansar essa hora a ler um livro ou observar as nuvens ou espremer umas laranjas para ter direito a um sumo imerecido.

Quando era novo, chegava sempre atrasado por incompetência ou por não saber medir a duração das coisas. Fui-me tornando cada vez mais pontual até ultrapassar a pontualidade e tornar-me uma daquelas pessoas que chegam meia hora antes da hora marcada, na tresloucada esperança que assim me possa despachar mais cedo. Um aviso a quem ainda vai a tempo de emendar a mão: nunca deu certo. Nem uma única vez.

O mal da pressa é que apressa tudo, incluindo o tempo que se poupa. Cultivar o vagar é mais difícil, mas a paciência recompensa. É um ansiolítico natural, assim como esperar quando se tem pressa é um enervante.

É escusado fazer um esforço para se ter paciência. Ela acaba sempre por chegar, disfarçada de desistência ou derrota. Instala-se como apatia e demora a mostrar o valor.

Só então se manifesta como uma indiferença salvífica, um profundo quero-lá-saber que enfrenta a desgraça de viver com doce fastio. 

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