O Populismo de Jan-Werner Müller

Todos os políticos, especialmente os políticos democráticos, são populistas.

Jan-Werner Müller escreveu há já algum tempo um interessante livro no qual procura responder à seguinte pergunta: o que é o populismo?

A resposta de Müller é interessante mas não é convincente. A tese do cientista político alemão é a seguinte: os populistas distinguem-se dos demais actores políticos quando afirmam que eles, e só eles, é que representam o “verdadeiro povo”. Estabelecem assim uma relação exclusivista, e necessariamente vulnerável ao autoritarismo, entre eles, as suas ideologias, o “verdadeiro povo” que representam e o supostamente falso povo que marginalizam. Os que não são contemplados na definição do povo do populista, no nós comunitário que ela/e projecta na sua acção política, serão marginalizados, remetidos para a inautenticidade.

O argumento parece plausível e convincente, sobretudo à luz das mais recentes vitórias eleitorais dos populistas. Todavia, julgo que bastarão alguns minutos de reflexão para pôr em causa a plausibilidade aparente da principal tese do livro.

Dei por mim a pensar no seguinte: não será verdade que todos os actores políticos invocam e praticam esta exclusividade que Müller diz ser a essência do populismo? O PCP e o Bloco incluem os patrões e os pequenos empresários na sua definição do povo? O CDS preocupa-se com os direitos dos trabalhadores? Os comunistas fazem parte do povo que a ala neo-liberal do PSD diz representar? Os conservadores do CDS-PP e PSD que se opuseram ferozmente à legislação IVG e LGBT são contemplados nos programas políticos do PS? Não me parece.

Podemos concluir, portanto, que o exclusivismo de que fala o professor alemão não é um exclusivo dos populistas. Assunto resolvido? Não. 

A questão é mais complexa e a verdade mais sinuosa do que Müller supõe. Não obstante o dito exclusivismo, todos os partidos políticos que conheço praticam a arte da ambiguidade universalizante, perdoem-me a petulância linguística. Isto é: falam do “verdadeiro povo” mas também falam, de forma obliqua, do povo real que todos conhecemos, plural e irredutível a qualquer simplificação conceptual.

A razão de ser desta desconcertante e hipócrita dualidade é bastante comezinha. Trata-se de uma estratégia comunicativa que visa reforçar a lealdade dos convertidos, reforçando a identificação tribal, e, ao mesmo tempo, seduzir potenciais eleitores com um universalismo simplista e fictício. Logo, o exclusivismo que preocupa Müller está sempre a ser parcialmente e cuidadosamente reformulado por forma a permitir a expansão eleitoral do partido. Neste sentido, todos os políticos, especialmente os políticos democráticos, são populistas. Não porque se focam obsessivamente no “verdadeiro povo” mas porque tentam, a todo o custo, universalizar a sua concepção de povo, tornando-a mais ambígua e abrangente. Tudo isto implica, claro, uma aversão profunda ao pluralismo, dado que o que de facto se pretende é a assimilação do falso povo no “verdadeiro povo” do populista, isto é, na sua base eleitoral.

Esta tentativa da integração e supressão da pluralidade nunca é pacífica ou fácil de concretizar porque implica uma diluição calculada da suposta essência do “verdadeiro povo”, introduzindo uma contradição potencialmente corrosiva no esquema ideológico-identitário vigente. Somos social-democratas ou liberais? Somos “verdadeiros socialistas” ou seguidores da Terceira Via? Somos conservadores ou neo-liberais? Todas estas tensões incómodas resultaram fundamentalmente de cálculos eleitoralistas. É também importante não nos esquecermos do conceito da “tirania da maioria” de Tocqueville e de Mill. Para estes dois filósofos a possibilidade do populismo está inerentemente inscrita na lógica fundacional da democracia. É importante compreendermos o seguinte: o populismo não é apenas um fenómeno que é produzido por políticos demagogos. É, também, uma perversão muito natural da democracia. Afinal de contas, nenhum populista é capaz de criar uma cultura política.

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