As “tradições e costumes não justificam pôr em risco a vida da criança”

Plataforma Basta divulgou um vídeo onde se vê um adulto a enfrentar um touro com uma criança ao colo. O episódio aconteceu na Ilha Terceira, Açores. O PÚBLICO questionou alguns especialistas sobre o que pode ser feito nestas situações.

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“As técnicas da comissão [de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens (CPDPCJ) de Angra do Heroísmo] têm de ir à casa da criança, saber com quem vive, quem é aquela pessoa, e fazer uma investigação. E verificar se aquilo foi um facto esporádico ou se é uma situação que revela negligência de cuidados da criança.” Quem o diz é juiz desembargador Madeira Pinto, do Tribunal da Relação do Porto, sobre o vídeo que mostra um adulto a enfrentar um touro com uma criança ao colo, numa localidade da Ilha Terceira, Açores. "Este pode ser um dado revelador de uma potencial falta de competências parentais para cuidar" de uma criança, acrescenta. 

O vídeo em causa foi divulgado pela plataforma Basta — Plataforma Nacional para a Abolição das Touradas, depois de publicado e logo eliminado, diz a associação, na página de Facebook da “Comissão das touradas e Bodo de Leite – Festas da Casa da Ribeira 2018" — a responsável pelo evento onde terá acontecido o episódio, na quinta-feira.

Neste caso, a integridade física e emocional da criança é colocada em causa “de forma gratuita”, diz Ana Perdigão, jurista do Instituto de Apoio à Criança (IAC). As “tradições e costumes não justificam pôr em risco a vida da criança”.

A psicóloga do IAC, Melanie Tavares, concorda que se expõe a criança a um episódio de “violência gratuita e se banaliza uma forma de violência”, conclui. Pior ainda é se houver grau de parentesco entre o adulto e a criança, porque é uma figura que deve transmitir segurança, mas “coloca-a em risco”. 

O juiz desembargador Madeira Pinto reconhece que no caso há “eminente perigo” para a criança. E “evidentemente que o Ministério Público pode intervir, porque poderá haver uma situação de negligência”. Mas sublinha que “se a criança não foi atingida não há crime”.

Por sua vez, o juiz António José Fialho, do Tribunal de Família e Menores do Barreiro, concorda que esta é uma “situação de perigo para a vida ou integridade física” da criança e que se deve apurar se o caso é isolado ou se há outros “factores de risco”.

E deve levar-se as crianças à tourada? Madeira Pinto sublinha que, neste caso em particular, “devemos compreender a própria história e o contexto social da ilha”. “Se as crianças estiverem num local seguro, se aquilo é a tradição da ilha, e se as pessoas querem continuar a tradição, então o Estado não deve intervir.”

O juiz António José Fialho diz que é “uma opção das famílias” e defende que “as touradas têm um suporte cultural no país, pelo que o Estado não se deve imiscuir”.

O PÚBLICO tentou obter declarações da Prótoiro, associação que promove as touradas, e da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens mas não teve resposta.

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