Toda a política é política de alianças

Se Santana Lopes fizesse um novo partido, isso faria alguma diferença? A resposta é não, por duas razões.

Desde a minha adolescência que se ouve dizer que Santana Lopes vai sair do PSD — perdão, do PPD/PSD — e formar um novo partido. A minha adolescência já foi há um tempo considerável. A questão, portanto, já não é “e se Santana Lopes fizer um novo partido?” mas antes “e se ele o fizesse? Isso faria alguma diferença?”.

E a resposta é não, por duas razões. De forma e de conteúdo. 

A razão de forma é que, seja como for, a existência de três partidos à direita não altera a mecânica de formação de maiorias, tal como a existência de quatro partidos de esquerda também a não alteraria. Nestes tempos pós-"geringonça", governa o campo político — esquerda ou direita — que conquistar mais de metade dos deputados no Parlamento e conseguir apoiar um programa de governo. Tanto faz se a distribuição desses deputados se faz em duas, três, quatro ou até mais parcelas. Por outro lado, se algum dos partidos da esquerda (ou da direita) impedir a formação de governo do seu campo político, o mais natural é ser punido pelo seu eleitorado por ter aberto a porta a um governo do outro lado do espectro político. A verdade é que a "geringonça" generalizou para Portugal uma realidade de há muito tempo em vários países europeus: toda a política é, hoje, política de alianças.

A razão de conteúdo é que o partido que Pedro Santana Lopes sempre quis fazer é um Partido Social-Liberal. Ora, em formas diferentes — mais retórica liberal, menos retórica social, ou vice-versa — isso é o que já temos no centro e na direita, em duplicado ou até em triplicado. Num país onde, por razões históricas, o liberalismo do tipo “cada um que cuide de si e o mercado que decida por todos” tem dificuldades em pegar por manifesta falta de coração, todos os partidos têm de temperar as suas ligações aos interesses económicos com, pelo menos, um pouquinho de discurso social. O partido de Santana Lopes viria apenas chover no molhado. Mas, se vingar, não há drama: junta-se ao “arco parlamentar” segundo as regras expostas no parágrafo anterior.

Que toda a política seja hoje política de alianças decorre de dois fatores relacionados entre si.

O primeiro é o sistema proporcional. Só não precisa de política de aliança quem, na Europa, dispõe de sistemas fortemente maioritários. Esse é o caso da França, onde o partido de Macron dominou o Parlamento com um terço dos votos. É o caso do Reino Unido, com um sistema herdado do século XIX. E, na Hungria de Orbán, menos de 50% dos votos dá sempre dois terços no parlamento. Por aqui, se quisermos manter a proporcionalidade como a Constituição manda — e muito bem —, os partidos têm de continuar a pensar em alianças, por muito que lhes custe.

Esta realidade é reforçada pela evolução social dos últimos anos. Gostemos ou não, os posicionamentos políticos de hoje dependem de muito mais fatores do que antes. Já não estamos no tempo em que havia uma televisão para toda a família, uma origem social determinando todas as facetas da nossa vida e um estado-nação que alegadamente concentrava em si todos os poderes. Às antigas divisões esquerda/direita e libertário/autoritário juntaram-se novas dicotomias como nacionalista/cosmopolita ou ecologista/produtivista. E ainda há que acrescentar persistentes questões de classe, identidade, cultura, faixa etária, filosofia de vida e por aí adiante. Isto pode dar seis, oito ou mais combinações diferentes. Nos Países Baixos há uma dezena de partidos no parlamento. Na Dinamarca podem ser precisos seis para formar governo. É assim, e funciona. O tempo do grande duopólio partidário não regressa.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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