Não escolher também é uma escolha

Somos tão, mas tão realistas, que não abdicamos nem por nada da ideia de que é suposto a vida ter sabor apenas nos 15 dias de férias ou nos fins-de-semana.

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Jay Wennington/Unsplash

É oficial. Estamos prestes a entrar na tão aclamada silly season, onde, eventualmente, iremos gozar de 15 dias de férias para “carregar baterias”, talvez viajar para “espairecer” ou simplesmente aproveitar para tratar daqueles assuntos que a rotina, essa maldita, tem vindo a empurrar. Esta é, ao que parece, aquela altura do ano em que nos é permitido ter um breve vislumbre daquilo que é a boa vida em detrimento da má vida — e não me refiro a noitadas e copos – que vamos perpetuando nos restantes 350 dias.

Somos tão, mas tão realistas, que não abdicamos nem por nada da ideia de que é suposto a vida ter sabor apenas nos 15 dias de férias ou nos fins-de-semana. Será que cada um de nós está disposto a criar a sua felicidade em detrimento de uma vida enfadonha? Acreditamos ao menos que é possível? Todos podem, com mais ou menos dificuldade, mas porque será que nem todos conseguem?

Viver é mais do que acrescentar anos à idade. Mas a maioria de nós limita-se a receber os parabéns uma vez por ano e logo por algo pelo qual não tivemos mérito nenhum: nascer. Não seria mais justo dar os parabéns apenas a quem decidiu realmente tentar viver uma vida digna desse nome? Fica a sugestão.

Aceitamos uma “vida” que não nos serve porque alguém nos disse que tinha de ser assim. Questionamos tão pouco. Mas também só assim se percebe que tenhamos há quase 100 anos o sistema das 40 horas de trabalho semanais. Achamos normal, depois de tanto avanço na tecnologia, continuarmos a trabalhar as mesmas horas que os nossos antepassados. Achamos expectável odiar as segundas-feiras quando, na verdade, elas são apenas um conjunto de 24 horas que nós decidimos culpar pela rotina tóxica que escolhemos. Sim, fomos nós que escolhemos. Não escolher a tentativa de uma vida melhor também é uma escolha. Mas, claro, a culpa nunca é nossa. O problema está no chefe que não nos dá o devido valor, nas pessoas que não nos percebem ou na relação que decidimos preservar só porque temos medo de ficar sozinhos. A nossa realidade não é obra do acaso. É, sim, uma obra-prima que ainda não decidimos iniciar porque tantas vezes acreditamos que não temos matéria-prima suficiente. Se é que me entendem.

Dizer que não dá sem tentar pode revelar duas coisas distintas. Ou é uma demonstração de experiência e intuição, ou é apenas medo em pele de “realista”. Infelizmente, o que se vê mais é a segunda opção. O impossível é, tantas vezes, apenas receio de tentar. E quanto mais os receios nos comem, mais a vida passa fome. De que lado queremos ficar? Dos que souberam cá andar ou daqueles que morreram sem nunca matar a sede de viver? Mais uma escolha, bolas.

Experimentar para saber se algo funciona pode ser tremendamente assustador quando todos os nossos dispositivos de sobrevivência estão profundamente formatados pela sociedade em que estamos. Porém, não haverá pior sensação do que ter a ressoar em nós, até ao fim da vida, a dúvida “como teria sido a vida se”? Passámos tão depressa da idade dos porquês para a idade dos “ses”...

Não arriscar continua a ser o maior risco de todos. Isto é tão certo como ser mentira a expressão “jogar pelo seguro”. Se é seguro deixa de ser um jogo. Joguemos à vontade, cientes daquilo que nos apaixona. Aquilo em que acreditarmos genuinamente irá definir o mundo à nossa volta. Escolhe os teus pensamentos, molda a tua vida. Não temos de pensar fora da caixa porque não estamos dentro de nenhuma e o limite também não é o céu. O limite é o eu.

Era isto. Boas féri... escolhas.

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