Resto do Mundo, 72 – Europa, 53. E estes números dizem muito sobre o Papa

As estatísticas podem ser importantes na hora de olhar para a recomposição do colégio de cardeais feita pelo Papa. Uma análise aos números e a alguns nomes que traduzem as opções de Francisco.

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EPA/ETTORE FERRARI

Neste caso, alguns números traduzem factos importantes: a partir desta quinta-feira, passará a haver 72 cardeais do resto do mundo, na composição do colégio que, num eventual conclave, decidirá a eleição de um futuro Papa. O grupo de cardeais da Igreja Católica está cada vez mais universal e a Europa já “só” tem 53 (dos quais 22 italianos, o país com maior peso).

Os cardeais eleitores de um novo Papa passarão a ser 125 (pelo menos até Janeiro do próximo ano, se ninguém morrer até lá, pois nessa altura um deles completa os 80 anos, deixando de ser eleitor num conclave). A constituição que regula a matéria estabelece um máximo de 120, mas desde João Paulo II que esse tecto é sempre ultrapassado, na hora de nomear novos cardeais.

Para que se possa comparar, no consistório em que o anterior patriarca de Lisboa foi feito cardeal, em 2001, a Europa tinha ainda 65 cardeais (e os italianos eram 24). Nessa altura, havia 13 cardeais africanos (agora são 16), 27 latino-americanos (agora 17) e 13 asiáticos (agora 17).

Outro dos números importantes é aquele que diz que, entre os cardeais eleitores, os que são nomeados por Francisco passam a ser, hoje, a maioria: 48, contra 47 escolhidos por Bento XVI, e 19 ainda nomeados antes de 2005, por João Paulo II.

Obviamente, nem todos os que são escolhidos por um Papa são da sua linha ou seguem as suas orientações: há nomeações (sobretudo com os antecessores de Francisco) que são feitas por razões históricas ou de tradição, pela importância de determinada cidade e diocese... O caso de Lisboa ajuda a entender isso: tradicionalmente, desde que a diocese de Lisboa passou a ser denominada como patriarcado (um grau mais importante na hierarquia dos lugares), o bispo de Lisboa é nomeado cardeal.

Com Francisco, este tipo de razões — históricas, tradicionais, importância das cidades — passou a ser secundário. O actual bispo de Paris, por exemplo, nomeado no final de 2017, ainda não é cardeal.

O grupo dos mais próximos

O actual Papa, isso aparece evidente nos números que vão configurando as suas escolhas, prefere a universalidade ao peso histórico. As suas escolhas privilegiam já não os países de tradição cristã (Europa e Américas), mas as periferias geográficas e existenciais, como ele refere com frequência.

Algumas das escolhas do grupo de 14 novos cardeais que, nesta quinta-feira à tarde, receberão as insígnias respectivas — e onde se inclui D. António Marto, o bispo de Leiria-Fátima —, indicam as prioridades de Francisco, na hora de escolher o grupo dos seus mais próximos colaboradores. E aqueles que decidirão sobre o seu sucessor.

É o caso de Louis Sako, patriarca dos caldeus, no Iraque, ou de Joseph Couts, arcebispo de Karachi (Paquistão), que trazem para o colégio dos cardeais a realidade das minorias cristãs que sofrem violentas perseguições em várias partes do mundo — uma questão a que o Papa tem dado especial atenção.

Há ainda o caso das escolhas de Pedro Barreto, arcebispo de Huancayo (Peru) e vice-presidente da Rede Eclesial Pan-Amazónica. O Papa convocou um sínodo dos bispos sobre a Amazónia e esta escolha mais não faz do que confirmar a ideia de Francisco de dar aos povos indígenas um protagonismo que a Igreja e a organização política de vários países lhes tem negado.

Finalmente, a escolha de Desiré Tsarahazana, arcebispo de Toamasina (Madagáscar), e Dom Tomas Aquinas Manyo Maeda, arcebispo de Osaka (Japão), acrescentam à lista outros dois nomes de realidades que, não sendo centrais no catolicismo, são cada vez mais a tradução da sua universalidade — é na África e na Ásia que o catolicismo mais cresce e, com nomeações como estas, o Papa não faz mais do que dar expressão a essa maior universalidade e expansão para o Sul e para o Oriente.

Preocupação franciscana

Outra das geografias importantes para o Papa é aquela que traz as realidades mais desfavorecidas para o centro decisor do catolicismo: no caso dos novos cardeais desta tarde, ela fica traduzida com as escolhas do polaco Konrad Krajewski, o esmoleiro apostólico — ou seja, aquele que está encarregue de, em nome do Papa, cuidar do apoio aos pobres, aos mendigos, aos sem-abrigo… Foi Krajewski que organizou o serviço de duche, dormitório, barbeiro e distribuição de roupa e alimentos aos sem-abrigo que circulam pela zona da Praça de São Pedro — e que são cada vez mais...

Também a escolha de Giuseppe Petrocchi, arcebispo de L’Aquila (Itália), traduz essa mesma preocupação franciscana; não sendo a questão da pobreza estrita, em primeiro lugar, neste caso é o destaque dado a uma população que foi muito vitimada pelo grave terramoto de 2009 — e que, em muitos casos, continua à espera de apoios da administração italiana para a reconstrução das zonas atingidas.

A composição do consistório reflecte, em cada momento, escolhas concretas do Papa que está no exercício do poder. O de hoje reflecte também as escolhas de Francisco para a composição do seu órgão de aconselhamento mais próximo. O Papa defende uma descentralização da Igreja Católica e a maior universalização do colégio de cardeais parece responder a essa opção.

Há, no entanto, outro factor que não deixa de ser importante: ao escolher os nomes de quem passa a ser cardeal, um Papa está também a determinar o grupo do qual, em princípio, sairá o seu sucessor. Nos últimos pontificados, pelo menos desde a segunda metade do século XX, nem sempre as escolhas resultaram na eleição mais óbvia, num movimento oscilante de continuidade e descontinuidade.

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